Pensamento do dia


Grant Lee Buffalo
The Hook
Fuzzy
1993

Discos pedidos (13)





para o  Rui Matos e Rui Massano



Foram tardes e tardes com o rio ao fundo. Foi uma Sony UX de 60 minutos sempre a tocar no walkman que trouxeram de Paris, França. Foi a MTV desviada do satélite e redistribuída pela vila toda. Foi o programa 120 Minutes. Foi um corpo suspenso na pedra quente pelo sol do fim da tarde. Um outro corpo a descobrir que o desejo, afinal, não é pecado mas sim algo natural, que nos distingue do comum dos animais, pois esses têm cio e é só uma vez ou duas por ano, dizias. Foi o silêncio das noites de Agosto numa vila entalada no umbigo do mundo. Foi o correr pelas ruas aos gritos, beber submarinos e outros venenos na esplanada do Vinagre ou onde calhava. Foi ter dezasseis anos. Foram os teus olhos azuis a olhar para mim e eu sem ser capaz de dizer que estava por ti apaixonado (pelo menos enquanto o Verão durasse). Foi o verbo ser feito carne pelos telhados do mundo (Whitman). Foi o cabelo curto, não fosse eu confundido com os guedelhudos – como diziam os outros –  que começavam a estar na moda. Foi a outra rapariga que não tinha olhos azuis e por quem também me apaixonei. E a outra. Foi o meu quarto. Foram os livros. Foi, às vezes, o melhor dos Verões.

Ocupação do espaço (8)


Sísifo ou o sentido da Fé


Somos carcaças. Definitivamente. O lugar-comum “começamos a morrer logo à nascença” faz todo o sentido. Há quem acredita na existência da alma. Eu não.
Assim sendo, resta o corpo. O metafísico, a transcendência são assuntos que há muito arrumei. Mas esse arrumar não implica “certeza”. Acreditar em algo não implica “certeza”. Implica, talvez (ou certamente), . O mesmo se aplica à ideia de Deus, pois Deus – penso – não vai em certezas.
A fé é o motor para chegar a Deus. Abraão talvez não tivesse a certeza da “justiça” do pedido de Deus (refiro-me ao sacrifício de Isaac), mas tinha, de certeza, na justiça desse pedido. É claro que o pedido não deixa de ser absurdo, pois Deus – em toda a sua omnisciência e omnipotência –, sabia qual a escolha de Abraão. Só que a questão não reside naquilo que Deus sabia: reside em saber se Abraão sabia. Muitas vezes é necessário o absurdo para a tomada de consciência.
Pensemos em Sísifo, o herói absurdo por excelência. O trabalho de Sísifo é absurdo; ele conhece o seu desfecho. Contudo, continua e repete todos os dias a mesma coisa, apesar do absurdo da tarefa (excluo, de propósito, o facto de Sísifo estar condenado para toda a eternidade). Mas pensemos nele, na sua tarefa.
Todos nós, todos os dias, somos confrontados com o absurdo. Todos nós, de uma maneira ou outra, somos Sísifo. A nossa vida é, sem sombra de dúvida, absurda. Mas, mesmo assim, todos os dias os mesmos gestos, rituais, sabendo qual o desfecho: a Morte. Só que alguns têm fé e outros não.
Nunca saberemos, pois é impossível, se Sísifo não tinha fé. Talvez tivesse fé que a pedra um dia se detivesse no alto do monte e não rebolasse por ele abaixo. Talvez Sísifo, a carregar todos os dias a pedra até ao cimo do monte, seja uma manifestação de fé e não a aceitação impassível de um castigo. Talvez Sísifo fosse um homem de fé. Talvez a fé seja absurda. Não sei.

Versões: Antonio Orihuela



Eu nasci no ano em que Peter Townshend escreveu “My Generation” para os Who.

Eu, que coloquei todo o meu corpo fora da janela do carro do meu pai
enquanto ele fazia a chiar a curva da Cuesta de las Doblas,
em San Lucar, Sevilha.

Eu, que dancei slows em Palos de La Frontera.

Que morria de vergonha quando falava ao telefone
mas telefonava à minha namorada quatro vezes por dia.

Eu que atropelei um Guarda Civil com um Seiscentos
e que capotei na estrada entre Lucena e Bonares numa Dyane,
que dei quatro voltas dentro de um 850 no regresso de Trigueros.

Eu, que tirei mais soutiens do que cuecas,
que amei todo o ser vivo
que o tempo me ofereceu.

Eu, que continuo a passear pela praia
assobiando ao fantasma do meu cão

em novembro

as ondas como se nada disto
tivesse acontecido, realmente…

… Hoping to die before I get old.


Antonio Orihuela, «Yo nasci…», Comiendo terra, Biblioteca Babab,www.babab.com/biblioteca, Setembro de 2000, pp. 89-90

Um poema de Primo Levi

Agave

Não sou útil nem belo,
Não tenho cores alegres nem perfumes;
As minhas raízes roem o cimento
E as minhas folhas, marginadas por espinhos,
Protegem-me, afiadas como espadas.
Sou mudo. Só falo a minha linguagem de planta,
Difícil de entender por ti, homem.
É uma linguagem insólita,
Exótica, já que venho de muito longe,
De um país cruel,
Cheio de vento, venenos e vulcões.
Esperei muitos anos antes de expressar
Esta minha flor altíssima e desesperada,
Feia, fibrosa, rígida, mas estendida para o céu.
É a nossa maneira de gritar que
Morrerei amanhã. Compreendes-me agora?

10 Setembro 1983


versão de Luís Filipe Parrado a partir da tradução castelhana de Jeannette L. Clariond reproduzida em A una hora incierta, La Poesía, señor hidalgo, Barcelona, 2005, p. 133; e da tradução inglesa de Ruth Feldman e Brian Swann reproduzida em Collected poems, Faber and Faber, 2ª ed., Londres, 1992, p, 59.

(...)


Tenho um sonho: gostaria de um dia viver num qualquer país do norte da Europa. Mas tenho preferência pela Suécia ou pela Noruega. Mais pela Noruega. Eu sei que é moda toda a gente dizer que os países do norte da Europa é que são bons e essas coisas do costume. Eu gostaria de lá viver, gostaria de ter essa experiência: o frio, a neve, as paisagens, um certo sentido de comunidade que eles parecem ter (mas que não sei se realmente existe). Mas nasci num país com muito sol, pouco frio e que dizem ser de brandos costumes. Não me lembro de ter sido educado entre brandos costumes. Os meus pais inculcaram em mim sentido de justiça e de responsabilidade. Talvez não tenham consciência disso, mas foi o que fizeram. Justiça e responsabilidade doa a quem doer. Nem que seja ao próprio. É claro que tenho os meus podres, esqueletos no armário. E é claro que ir viver para a Suécia ou para a Noruega não iam resolver isso. Mas queria ter essa experiência, para depois poder dizer que sim, aquilo é bom; ou não, aquilo é só conversa.

O Senhor das Pocilgas - Tristan Egolf


Tristan Egolf
O Senhor das Pocilgas
tradução de Miranda das Neves
Teorema
2005

O livro anda por aí em estantes virtuais a 26 euros mais uns trocos. Em sites de leilões também se pode comprar. A mim custou-me 3 euros no passado Sábado, na livraria Almedina Estádio, em Coimbra. Quando saiu em 2005 namorei-o durante bastante tempo. Só o comprei agora. E que boa compra.

Tristan Egolf


Seis dias mais tarde, ao receber o primeiro cheque de pagamento, verificou que ao seu já de si patético ordenado líquido ainda tinha sido retirado o correspondente a um dia inteiro de trabalho para pagar o equipamento obrigatório. Inicialmente ficou indignado por esse desconto adicional, mas por fim foi forçado a aceitá-lo, sabendo que isso significava que tinha sido admitido como empregado permanente e que conservaria o seu posto de trabalho quando fossem dispensados os seus colegas. Tinha superado as exigências da sala de abate com uma perseverança invulgar e, fosse como fosse, alguém das altas esferas o tinha notado. Era vagamente reconfortante.

em O Senhor das Pocilgas, tradução de Miranda das Neves, Lisboa: Teorema, 2005, pp. 167-168.

Lí por aí


Gostar de alguém pelo que escreve é muito semelhante a gostar de alguém por dinheiro. Apesar das palavras não valerem um tostão furado.

Cristina em Malone Meurt

Ocupação do espaço (7)


Charles Bukowski ou depois de ler a imortal literatura do mundo (4/4)



Bukowski recusa a complexidade da maior parte da literatura Beat (lembremos, por exemplo, os romances de William S. Burroughs) e a metaficção do experimentalismo pós-moderno que grassou na literatura dos anos 60. Em vez disso, Bukowski opta por uma literatura mais livre, mais simples. É claro que nada disto é inocente. A pretensa simplicidade da escrita de Charles Bukowski pretende ser uma resposta àquilo que Gay Brewer designa como «collegeboy finger exercises». É claro que o autor de Mulheres sabe que expondo o seu trabalho à crítica o mesmo será comparado com aquele dos seus contemporâneos. Daí, talvez, a opinião generalizada de que a escrita de Bukowski é repetitiva, pouco “trabalhada” e muito pouco intelectual. Mas a vida, afinal, não é repetitiva, pouco “trabalha” e muito pouco intelectual?

Em repeat


Leonard Cohen
Old Ideas
2012

Não é a capa mais feliz. Mas as músicas, Senhores e Senhoras, as músicas!

Fernando Assis Pacheco


8. Vive direito. Vive claro. Evita enganar-te neste ponto.


«Regras para Viver em Campo de Ourique» em Nuno Costa Santos, Trabalhos e Paixões de Fernando Assis Pacheco, Lisboa: Tinta da China, 1ª edição, 2012, p. 135.

(...)


(clicar na imagem para aumentar)

Escrevo este texto na cama. Não estou doente. Apeteceu-me apenas vestir o pijama e enfiar-me na cama. Às vezes é a maneira que encontro para deixar lá fora o mundo e as suas camelices. Os dias têm passado e dou comigo a emocionar-me com as pequenas coisas – e daí não sejam tão pequenas. No outro dia mandei uma sms a um amigo a dar conta disso mesmo. Deve ter pensado este gajo não está bom da cabeça. Mas, no fundo, aposto que me entendeu. Ando a ler a biografia de Fernando Assis Pacheco e é-me difícil não me emocionar em cada uma das páginas que leio. Ficamos com a impressão que Assis Pacheco era mesmo boa pessoa. Depois leio este texto do Henrique e emociono-me. Os homens não choram foi coisa que nunca me ensinaram; pelo contrário. Há, ainda, a foto que se reproduz em cima. E mais não digo.

As Palavras do Corpo - Maria Teresa Horta


Maria Teresa Horta
As Palavras do Corpo - Antologia de Poesia Erótica
Dom Quixote
2011

Ocupação do espaço (6)


Charles Bukowski ou depois de ler a imortal literatura do mundo (3/4)


Bukowski, como um dia referiu o seu editor John Martin, nasceu com a consciência de que era um génio. Publicou pela primeira vez em 1944, com vinte e quatro anos, mas só aos trinta e cinco é que começa a publicar poesia. É a poesia que constitui grande parte da bibliografia do autor, apesar de ter publicado seis romances e várias colectâneas de contos, perfazendo, ao todo, mais de quarenta e cinco livros publicados em vida.
O problema com os génios é que dificilmente se lhes perdoa toda e qualquer “falha” ou todo e qualquer “defeito”. O génio é suposto ser um paladino da ordem e do socialmente aceitável. Ao génio não é permitido o desvio. Daí, talvez, o facto de a genialidade e a loucura andarem de mão dada. A fronteira, entre ambos, é muito ténue. O que é ser génio? O que é ser louco? Salvador Dali seria um génio-louco ou um louco-génio? Bukowski tinha consciência de tudo isso. De outra maneira não se entende a sua iconoclastia. A sua relação com as mulheres poderá ser justificada tendo em conta essa iconoclastia.
Na altura em que Charles Bukowski escreveu e publicou os primeiros romances (Correios e Factotum), os ideais da segunda onda feminista (iniciada nos anos 60) estavam a ganhar força na sociedade. Era, por assim dizer, “moda”. Ora Bukowski era tudo menos de modas e talvez tenha visto uma oportunidade única para irritar uns quantos (ou umas quantas), fazendo justiça à fama que começava a granjear. No entanto, não é de todo errado pensar que a hostilidade em relação às mulheres é fruto da sua infância, fruto da relação de um pai obsessivo com uma mãe passiva. E não podemos esquecer que toda a obra de Bukowski gira em torno de uma certa marginalidade dominada por homens: «In his underground society he describes a purely masculine world, in wich women are hardly more than splashes of a puddle through wich hardy fellows traipse, mostly drunk, or in wich they wallow.» (Karin Huffsky).

(...)


Durante algum tempo questionei-me sobre a hipótese da “moderação” dos comentários, aqui no blogue. Não o fiz por três razões:

1.       Acredito que os comentários nos blogues são um espaço privilegiado de diálogo: dos leitores com o autor dos textos; e dos leitores com outros leitores. No entanto, o conteúdo dos comentários é da responsabilidade dos autores dos mesmos, mas também da minha responsabilidade, pois sou eu que faço a “gestão” deste espaço;
2.       Poderia restringir os comentários a pessoas com conta no Blogger ou no Gmail. Decidi não fazê-lo;
3.       A moderação de comentários não me livraria de insultos à minha pessoa ou a terceiros, pois implica a leitura dos mesmos para posteriormente os moderar.

Acredito na Liberdade. Contudo, sou apologista do seguinte: quanto maior é a Liberdade maior é a Responsabilidade. É claro que não sou perfeito neste ponto. Nem pretendo atingir a perfeição. Mas procuro todos os dias ir, sempre, de encontro a este pensamento.

Pensamento do dia


Morphine
The Other Side
Good
1993

Estados Filosóficos (37)


Em vez de «Toda a poesia já foi escrita», dizer «Toda a poesia está por escrever».

Tristan Egolf


Exceptuando alguns comentários à margem feitos de tempos a tempos alguns anos mais tarde, a opinião geral de John sobre a sua carreira de onze anos na escola de Holborn (Elementar e Secundária) era limitada, quase exclusivamente, a uma declaração surpreendente. Com efeito, ele declarava que conseguia fazer um mapa detalhado da configuração de todo o terreno que se avistava de cada uma das janelas das salas de aula, mas que nem toda a interminável eternidade chegaria para começar a compreender o que se passava dentro da sala.

em O Senhor das Pocilgas, tradução de Miranda das Neves, Lisboa: Teorema, 2005, p. 48.

Ocupação do espaço (5)


Charles Bukowski ou depois de ler a imortal literatura do mundo (2/4)


Charles Bukowski nasceu em Andernach, na Alemanha, em 1920, filho de pai germano-americano e mãe alemã (o avô materno de Bukowski era um ex-oficial do exército alemão). Os primeiros três anos de vida são passados na Alemanha, em contacto directo e diário com a língua alemã. É então que a família decide mudar-se para os Estados Unidos da América, escolhendo a cidade californiana de Los Angeles como destino final.
O início de vida num novo país não foi fácil para Charles Bukowski. Foi em Los Angeles que ele teve, pela primeira vez, contacto com a língua inglesa, pois até então, em sua casa, só se falava o alemão. A relação com o pai também não foi fácil: era um homem violento, arrogante. Em contrapartida, a sua mãe era submissa à vontade do pai, nunca se opondo a nada que ele decidisse, por mais estranho e descabido que fosse.
Tal facto criou em Bukowski um grande e poderoso sentimento de revolta, pois a única pessoa que o deveria defender contra os ataques de fúria do pai, não o fazia. Bukowski chegou mesmo a dizer que o pai foi quem o ensinou a escrever, a ser escritor. O pai parece ser o motor de arranque de toda a escrita de Bukowski. Poderemos perguntar: sem a “ajuda” do pai Bukowski teria sido escritor? Talvez a resposta seja sim.

(...)



Ainda há quem se preocupa comigo. E dá-me uma lição de moral.

Ocupação do espaço (4)


Charles Bukowski ou depois de ler a imortal literatura do mundo (1/4)


O mal de grande parte da literatura é tentar ser complexa. Quando tenta não ser, falha. É pouca a literatura que consegue ser não-complexa e ser, ao mesmo tempo, literatura. É claro que uma leitura na diagonal – sendo aquilo que mais vezes acontece com a maior parte dos escritores que lemos – poderá induzir o leitor em erro, fazendo crer que a literatura não-complexa, que tem o privilégio de estar a ler, é ridícula e não é boa literatura. Um exemplo: Charles Bukowski.
O autor norte-americano é associado à condição de marginal, de proscrito. É também associado a um estilo de vida que muitos consideram pouco aconselhável para a saúde. Esse é o primeiro erro: acreditar que Bukowski é só álcool, mulheres e fornicação. Não vou dizer que o não seja. Grande parte da sua obra gira em torno destes três temas. Contudo, eles são apenas o ponto de partida para muito mais.
Charles Bukowski é, sem dúvida alguma, alguém que conhece profundamente o ser humano. O ser humano é o principal personagem da obra bukowskiana. O ser humano e a sua relação com o mundo. Disso não devemos ter a menor dúvida. O seu alter-ego, Henry Chinaski, é a prova: «Bukowski created a literary persona named Henry Chinaski as a vessel for expressing his alternative view of the world, (…) Trough Henry Chinaski, Bukowski is able to attempt to reveal the absurdity of the world with an element of distance and without succumbing to despair.» (Daniel Bigna). É claro que, para muitos, Chinaski não preenche os requisitos necessários para ser um verdadeiro personagem; segundo o cânone Chinaski não possui a complexidade nem a profundidade, por exemplo, de Ahab, Meursault ou Raskolnikov.

Pensamento do dia


Tom Waits
Going Out West
Bone Machine
1992

Trindade Poética



No momento em que escrevo estas linhas, eis a minha Trindade Poética.

(...)


O poeta e crítico literário David Teles Pereira sobre, em parte, o meu ciclo de textos Crítica Literária: o vazio. Por muito disparate que os meus textos possam ter (o que admito, pois não se tratam de textos de teor académico; é apenas uma reflexão, boa ou má, relativamente ao que eu penso sobre o assunto), fico contente que tenham suscitado, também, uma reflexão da parte de David Teles Pereira.


Adenda (Sábado, 04 de Fevereiro): este texto de M.C. Dioniso sobre o tema.

Pensamento do dia


The Golden Palominos
Ambitions Are
Dead Inside
1996

Ocupação do espaço (3)


Crítica Literária: o vazio (3)

Há, ainda, o relativo consenso em torno dos livros que são alvo de crítica literária. Parece que nenhum crítico literário quer ferir susceptibilidades. A título de exemplo – e falando do caso português –, os livros de António Lobo Antunes. Poucos são os críticos literários que “arriscam” uma crítica negativa a um livro de António Lobo Antunes. Recentemente, penso que só Pedro Mexia o fez. Alguém curioso pode verificar o que digo: basta numa livraria folhear, com alguma atenção, o livro António Lobo Antunes: A Crítica da Imprensa.
Atrevo-me a dizer que falta alguma “honestidade intelectual” (expressão que abomino, mas que, neste caso, tenho de utilizar) à crítica literária portuguesa. Novamente, e a título de exemplo, o livro 2666 de Roberto Bolaño. O consenso generalizado em torno desta obra de Bolaño roçou o ridículo. Num texto publicado a 31 de Outubro de 2009 (no blogue Antologia do Esquecimento), Henrique Manuel Bento Fialho dá conta da lamentável revisão a que o livro de Bolaño foi sujeito. Não me lembro de ler a nenhum crítico literário “encartado” uma referência em relação a isso. Muito pelo contrário. E, daí, talvez se entenda o silêncio.
A bem da verdade, actualmente, a crítica literária em Portugal não existe, porque não é praticada. Falta-lhe algo fundamental: o contraditório.

Wislawa Szymborska (1923-2012)

Ocupação do espaço (2)



Crítica Literária: o vazio (2)

Mas, qual o real impacto da “crítica literária”? Os livros mais vendidos são aqueles que são objecto de “crítica literária”? Se tal não acontece, qual o real valor da “crítica literária” actualmente?
Penso que a crítica literária tem muito pouco impacto, pois poucos são aqueles que, realmente, lêem crítica literária. Ela poderá, uma ou outra vez, suscitar uma ou outra polémica, pois o visado pelo texto do crítico pode não apreciar muito aquilo que leu. É claro que isso acontece muito poucas vezes (pelo menos com o conhecimento geral do público).
Na realidade, o crítico literário tem algo que me atrevo a designar de poder-nulo, isto é, o crítico literário não tem qualquer poder sobre as reais decisões do consumidor. O seu “poder” está limitado a um grupo restrito (muitas vezes composto por amigos ou conhecidos com quem se partilham afinidades), o que torna esse “poder” vazio de qualquer conteúdo. Se o “poder” do crítico literário fosse real, se tal acontecesse, os “tops” de vendas seriam compostos por livros completamente diferentes daqueles que encontramos numa qualquer livraria generalista.
Os livros mais vendidos não são aqueles que foram objecto de uma crítica literária positiva ou negativa (não podemos esquecer que uma crítica literária negativa pode gerar um aumento nas vendas de um livro), mas sim de uma campanha de marketing agressiva, com ofertas absurdas ao leitor. A crítica literária foi substituída por capas de livros vistosas, sinopses apelativas, muito como acontece no cinema com os cartazes e os trailers dos filmes.
Actualmente, a “crítica literária” não tem qualquer valor intrínseco; antes extrínseco. A crítica literária serve apenas para encher colunas de jornais e páginas de revistas com o pedantismo – e em certos casos com a ignorância – de alguns críticos ditos literários. 

Ocupação do espaço (1)



Crítica Literária: o vazio

Conheço alguns poetas pessoalmente. São pessoas interessantes, com quem gosto de estar e conversar. No entanto, poucos são aqueles que conseguem manter o “interesse” a partir do momento que começam a falar de poesia ou a ter ideias sobre Poesia. Eu próprio me incluo neste último grupo. Ora a única função do poeta devia ser escrever poemas, ler poemas e pouco mais. É claro que não devemos esquecer as necessidades básicas: comer, dormir, fazer amor, respirar, pensar – e não necessariamente pela ordem referida.
Só que a maior parte dos poetas decide arriscar a crítica literária, em vez de fazerem reflexões sobre aquilo que leram. Devem pensar que têm, em si, o saber suficiente para tal. Esquecem-se que, para isso, existem os críticos literários.
É claro que em Portugal poucos são os críticos literários. A maior parte das vezes são poetas ou romancista a “exercer”. O crítico literário, em Portugal, é um conceito um tanto ou quanto híbrido. É claro que pedir que um crítico literário seja apenas crítico literário, é pedir muito num país tão pequeno (em todos os sentidos) como Portugal. Não podemos esquecer, ainda, a vertente mercantil e economicista da questão, que muito condiciona a imparcialidade de quem escreve. Assim, seria interessante um estudo que procurasse a relação entre as críticas literárias feitas a livros e os respectivos críticos literários que as escreveram, pois muitas vezes estes últimos estão associados a revistas e jornais que pertencem a grandes sociedades que, por sua vez, também são detentoras de parte das editoras que publicam os livros que os críticos literários “criticam”.
No entanto, também não podemos esquecer que a crítica – e nela incluída a literária – nunca foi muito bem vista no nosso país. A crítica literária – quando é a sério – nunca é vista como crítica: ou é ataque pessoal ou bajulação. A título de exemplo lembro o episódio que Manuel da Silva Ramos conta em relação ao seu “encontro” com João Gaspar Simões. Ou aqueles que opuseram Vergílio Ferreira aos “críticos literários” conotados com o neo-realismo.