Sísifo ou o sentido da Fé
Somos carcaças. Definitivamente. O lugar-comum “começamos a morrer logo à nascença” faz todo o sentido. Há quem acredita na existência da alma. Eu não.
Assim sendo, resta o corpo. O metafísico, a transcendência são assuntos que há muito arrumei. Mas esse arrumar não implica “certeza”. Acreditar em algo não implica “certeza”. Implica, talvez (ou certamente), fé. O mesmo se aplica à ideia de Deus, pois Deus – penso – não vai em certezas.
A fé é o motor para chegar a Deus. Abraão talvez não tivesse a certeza da “justiça” do pedido de Deus (refiro-me ao sacrifício de Isaac), mas tinha, de certeza, fé na justiça desse pedido. É claro que o pedido não deixa de ser absurdo, pois Deus – em toda a sua omnisciência e omnipotência –, sabia qual a escolha de Abraão. Só que a questão não reside naquilo que Deus sabia: reside em saber se Abraão sabia. Muitas vezes é necessário o absurdo para a tomada de consciência.
Pensemos em Sísifo, o herói absurdo por excelência. O trabalho de Sísifo é absurdo; ele conhece o seu desfecho. Contudo, continua e repete todos os dias a mesma coisa, apesar do absurdo da tarefa (excluo, de propósito, o facto de Sísifo estar condenado para toda a eternidade). Mas pensemos nele, na sua tarefa.
Todos nós, todos os dias, somos confrontados com o absurdo. Todos nós, de uma maneira ou outra, somos Sísifo. A nossa vida é, sem sombra de dúvida, absurda. Mas, mesmo assim, todos os dias os mesmos gestos, rituais, sabendo qual o desfecho: a Morte. Só que alguns têm fé e outros não.
Nunca saberemos, pois é impossível, se Sísifo não tinha fé. Talvez tivesse fé que a pedra um dia se detivesse no alto do monte e não rebolasse por ele abaixo. Talvez Sísifo, a carregar todos os dias a pedra até ao cimo do monte, seja uma manifestação de fé e não a aceitação impassível de um castigo. Talvez Sísifo fosse um homem de fé. Talvez a fé seja absurda. Não sei.