meia-noite todo o dia
Troncos, Parque Silva Porto, Lisboa, 13 de Fevereiro 2025
Não há teoria sem prática, nem prática sem teoria.
Tim Carpenter
Árvore, Rua André de Resende, Lisboa, 11 de Fevereiro 2025
Versões: Breyten Breytenbach
quatro da manhãsono agitado por sonhosde viagens quenão podem ser compreendidasde lugares quenão podem ser entendidosa casa rangecomo as articulações do infinitoos corredores cheiosdo aroma intoxicanteda podridão doce das goiabasbananas abacates ananasesfruta de uma vidasaberes que os corpos celestes estão à noite em chamas até que a luz da madrugada os extingue saberes que a montanha é uma sombra negra repleta dos sons abafados da vida que amassa na terra saberes que a montanha cuspirá estrelas com mapas de viagens que não podem ser compreendidas saberes que o oceano está sempre ali à noite uma trémula faixa negra saberes também que compreendê-lo nunca descreverá o oceano e saberes que és uma pessoa no meio de pessoas que vagueiam no fogo da morte e saberes que os teus apenas aqui estão para partir que o amor é construído e o riso e o choro e toda a gente tem um sonho como uma pedra transformada em bandeira numa paisagem nocturna a viagem que não pode ser entendida deve ser explicada na fraca luz que não pode ser compreendida até aqui: tu e os teus e nós e também eu o crepúsculo o silêncio antes do canto das aves com este vago verso desenhado no vislumbrar do vazio: as rimas do amor recitais de pesar um pedido de ajuda à relutância da luz morta que há muito se foi e que é agora apenas chama cicatrizes histórias murmuradas de viagens que não podem ser compreendidas para um desaparecer que não pode ser conhecidoSeapoint, 7 de Outubro 2015em die na-dood, a partir da tradução do africânder para inglês de John Mateer, Human & Rousseau, 2017, pp. 205-7.
Poça de água e folhas, Alameda Padre Álvaro Proença, Lisboa, 30 de Janeiro 2025
At a time when, more than ever before, we have to live by hope, the question is what photography can contribute.
Robert Adams, Why People Photograph, Aperture, 2023, p. 102
Um poema de Tao Yuanming
Regador e pano, Almeirim, 25 de Janeiro 2025
Versões: Gwendolyn Brooks
E talvez descer pela viela abaixo,
Onde as crianças do asilo brincam.
Quero passar bem o dia.
Elas fazem coisas maravilhosas.
Divertem-se alegremente.
A minha mãe desdenha, mas tudo bem,
Porque não vão para dentro às nove menos um quarto.
A minha mãe diz que a Johnnie Mae
Vai crescer e tornar-se numa mulher leviana.
Que mais cedo ou mais tarde o George vai preso
(No Inverno passado vendeu o nosso portão das traseiras)
Mas está tudo bem. A sério que está.
Também gostaria de me tornar numa mulher leviana,
E usar corajosas meias e ligas negras como a noite
Slavoj Žižek
O universo de Lynch é efectivamente o universo do «sublime ridículo»: as cenas ridículas mais patéticas (aparecimento de anjos no final de 'Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer' e 'Coração Selvagem', o sonho do pintarroxo em 'Veludo Azul') são para levar a sério. Contudo, como já sublinhámos, o mesmo se aplica às figuras «maléficas» ridículas na sua violência excessiva (Frank em 'Veludo Azul', Eddy em 'Estrada Perdida', o barão Harkonnen em 'Duna'). Mesmo uma figura repugnante como Bobby Peru em 'Coração Selvagem' representa uma «força vital» fálica excessiva, uma afirmação incondicional de vida. em Lacrimae Rerum, tradução de Luís Leitão, Orfeu Negro, 2013, p. 259.
David Lynch (1946-2025)
Calendário
A minha relação com a fotografia, em primeiro lugar, é a do jogo, procurar todos os dias um novo desafio. Experimentar, pisar terreno desconhecido, ir até onde me falta pé. Há muito aprendi que viver daquilo que faço do ponto de vista artístico/criativo (poesia, teatro, edição, fotografia) é impossível. Mas como refere Robert Adams: se um fotógrafo não consegue viver da fotografia, ao menos que ela o faça sentir vivo.
Recanto com porta, Almeirim, 12 de Janeiro 2025
Quinta da Granja, Avenida Lusíada, Lisboa, 13 de Janeiro 2025
Bomba de água e poste, Almeirim, 12 de Janeiro 2025
Charneca, Almeirim, 12 de Janeiro 2025

Um poema de Elena Toumazi
A Toupeira e o Sol (excerto)
Sobre limpar, nem uma palavra;de algum tempo para cá as coisas entraramnum ritmoque retira toda a esperança.Permanecem sem falara olhar para os desconhecidos e novos objectosdesaprovados pelas suasvelhas coisasespessas como pó.“Arrumar um e depois outro” Um suspiro de admiração toma conta de mim. “O primeiro um pouco mais para a direita e ficará perfeito.” Mãos quentes cobrem o meu corpo os teus olhos ardem. “Muito bem. Agora muda os dois ao mesmo tempo. É necessária precisão e sistematização de movimentos”. Fragmentos do nosso poema atravessam o mar a voar. A água e a luz numa mesma união. Estes seres humanos ficaram esquecidos no meu caminho, construíram as suas casas junto aos meus pés, sentam-se a resolver exercícios ou a escrever música nas palmas das minhas mãos. E aquele que sobre os meus ombros ri alto e aquele que come o meu cabelo pensando que são malvas. Onde os coloco? Onde os deixo? Estes seres humanos têm belos olhos mas corpos pesados como ferro. Até os seus beijos ficaram gravados na minha pele quando me confundiram com um prado. Interrogo-me sobre como irei apagar os versos e as cores agora que estão de partida.em Anthology of Cipriot Poetry, versão minha da tradução do grego para inglês de Amy Mims, Nicosia-Cyprus, 1974, pp. 214-215
Corrimão da Estação de Metro Avenida, Lisboa, 9 de Janeiro 2025
Danças Ocultas - Danças Ocultas (1996)
Em 1996 a cidade da Guarda fervilhava de actividade cultural. A sua agenda superava, em qualidade e variedade, as agendas culturais dos chamados "grandes centros urbanos". Ainda não existia o TMG. E a única sala digna era o Auditório Municipal da Câmara Municipal da Guarda. Foi lá que assisti a um concerto dos Danças Ocultas, aquando da apresentação do álbum de estreia do quarteto, o homónimo "Danças Ocultas" (1995). Lembro-me bem do impacto que em mim teve o tema "Folia" (que abre o álbum), todo ele composto apenas pelo som do fole dos acordeões (no caso do grupo trata-se do acordeão diatónico, que no nosso país é mais conhecido por concertina), num ritmo que, na altura, me fez lembrar o som do mar. São várias as vezes que na minha cabeça soa o tema "Dança II", que aproveito para assobiar. Todos os temas do álbum são dignos de nota, não caindo no folclore tradicional, antes procurando novas formas e buscando inspiração no "novo tango" e na música de câmara. As composições são modernas, leves e infinitamente belas.