Versões: W. S. Graham


 Ouve. Veste a manhã.


Ouve. Veste a manhã.
Acordado pela luz que cai.
Um homem imagina

E talvez venha a herdar

Os rápidos séculos passados

Num minuto da sua vida na terra.

E ouve o coro das virgens

A falar com sincopado respirar

Aos rapazes na esquina da rua.

E ouve a raimona da polícia

Na ronda  pela cidade à noite.
E ouve o som dos baloiços

A irmã Maria chamar para dentro.

E ouve o Willie e o Davie

Entre os fetos em Narnain

A cantar num nevoeiro cerrado

Para as murtas e outros ouvintes.

E ouve a alta da cidade

Chorar um abaixo-assinado de medos

Na casa dos pobres tão perto

Do coração do povo.

E ouve as crianças jogar à apanhada

E a correr com os meus pés

Para dentro da rede que arrasta

Uma vontade de suicídio.

Ouve. Veste a luz da manhã.

Desperta para o milagre.

A multidão permanece acordada

Junto aos blocos de prédios

Junto às docas 

Junto às fixadas memórias.

Os séculos destrancam os seus cadeados

E abrem sob o monte

Os livros herdados e as portas

Todos juntos a destilar

Como alegres apanhadores de bagas

Uma só voz que nos fala.

Sim ouve. Leva para longe

Os segundos e os anos

Até o coração estar num casaco de neve

E a cabeça num branco elmo

E a canção adormecida ser acordada

Pela espiga brilhante do amanhecer.

Ouve. Veste a manhã.
Acordado pela luz que cai.
W. S. Graham, "Listen. Put on morning", Selected Poems, Faber and Faber, 1996, pp. 1-2.


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