Retratos de Família
3.
Às vezes, eu ia recolher com a boca
as gotas de chuva do beiral
e nelas sentia o gosto do mundo.
Nuvens, vento, céu pardo.
Eu chorava essas horas de prisioneiro na sala da varanda
entre flores que minha mãe adorava
e a miragem de um dia de sol, lá fora,
com a bola de futebol no largo da escola.
Fernando Namora
As Frias Madrugadas
Publicações Europa-América,
1971, p. 114.
Novamente, o poeta
encontra no quotidiano motivos poéticos suficientes para dizer aquilo que muitas vezes fica
por dizer. Fernando Namora (que foi mais romancista do que poeta) consegue, em
poucos versos, recriar todo um imaginário: que poderia ser o de qualquer um.
Quem é que nunca recolheu gotas de chuva? Só os pobres de espírito, de certeza.
Penso que este
poema cumpre a questão da universalidade que já aqui mencionei. É tudo menos
umbiguista. Não existe nele qualquer tipo de palavreado oco. É honesto e não
procura, quanto a mim, fazer bonito. Não recorre à intertextualidade ou à
sabedoria académica bacoca. Nele não é necessário citar Deleuze para dizer o
que tem de ser dito. Tudo está. Nada falta.
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