José Miguel Silva
Non, ou a Vã Glória de Mandar
Diz o povo e com razão que no perder
é que está o ganho. Para alguma coisa
somos portugueses, «os de cabelo castanho»,
e que seria de nós se as lágrimas, os lenços
nos faltassem? Povos mais felizes alimentam-se
de lucros, de famas, de vitórias. Nós não,
preferimos o lamento, a beleza moral
do quase ter, do quase lá, do quase nunca.
A bola no poste é o nosso emblema, e o nosso
patriotismo exprime-se na derrota. Pois
no coração de cada português lateja a evidência
de que só no fracasso se alcança o verdadeiro
sabor de ser homem. A vitória é uma patranha
em que só caem os parvos, os que não sabem,
como nós sabemos, que não há nada a ganhar,
que todos os triunfos são triunfos de morte.
Devemos então assumir como desígnio nacional
a ambição de perder cada vez mais, cada vez melhor,
e fazer o possível por tirar proveito dessa situação,
tão favorável, que o fracasso nos confere.
Porque só quem aprendeu a amar a derrota,
a fazê-la sua, a lutar por ela, poderá desatrelar-se
do tandem de agonias que os antigos figuravam
sob o nome de temor e esperança.
em Movimentos no Escuro, Lisboa: Relógio D'Água, 2005, p. 50.
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