meia-noite todo o dia
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Li por aí
Por um lado, têm consciência que os motins que se avizinham serão perigosos e destrutivos, mas por outro também sentem um ultraje a que nenhum político ou comentador saberá alguma vez responder. Sabem que no dia seguinte serão crucificados nas televisões por uma dúzia de cabeças falantes que projectarão naqueles quarteirões os filmes americanos e brasileiros que viram na Netflix, falando de traficantes de droga e de gangues que reinam sobre o bairro com uma mão de ferro, mas também sabem que é precisamente por isso que tantos daqueles jovens passarão as próximas horas a queimar tudo a que conseguirem deitar mão. Portugal inteiro tem uma palavra a dizer sobre as suas vidas sem nunca ter passado cinco segundos perto delas.
Marco Paulo (1945-2024)
Nas cassetes pirata que ainda existem em casa dos meus pais está uma de Marco Paulo. Na altura, o tema "Eu tenho dois amores" era o mais ouvido lá em casa. A cassete tem a imagem que aqui reproduzo. Sempre tive por Marco Paulo o maior respeito, tanto do ponto de vista pessoal como artístico. E confesso que o tema "Maravilhoso coração" mexe comigo e não me perguntem a razão, pois não consigo explicar. A verdade é que cresci (crescemos?) com a sua presença nos meios de comunicação social. Faz e fará parte do meu imaginário. Quem nunca cantou "Uma lady na mesa/uma louca na cama/na maior safadeza/ela diz que me ama"?
O estranho caso das vítimas do comunismo
No Canadá há um monumento para homenagear as vítimas do comunismo. Há muito que anda para ser inaugurado. Havia nele gravados 553 nomes. Mas agora são apenas 163. E ainda não é desta que será inaugurado. Querem saber a razão? É ler o texto do António Santos.
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As cortinas de fumo de Montenegro
O que Luís Montenegro também não diz é que o seu governo, através do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), pretende que o Estatuto da Carreira Docente (ECD) deixe de ser um Decreto-Lei para passar a ser uma Lei da Assembleia da República (AR), o que poderá ser ilegal, uma vez que a AR não tem competência negocial e as questões de carreira são de negociação colectiva obrigatória.
Não podemos esquecer que o ECD foi apenas criado e estabelecido em 1990, depois de décadas de luta (tendo começado ainda nos anos 70, com os chamados Grupos de Estudo, que foram perseguidos pelo regime fascista). Isto é: o ECD não é algo que sempre existiu, e muito menos nos foi dado, oferecido. Foi conquistado. Ele é, sem sombra de qualquer dúvida, uma conquista dos professores. O ECD constitui um importante instrumento legal de protecção e reconhecimento do papel dos docentes como promotores dessa importante função social do Estado: o desenvolvimento de uma Escola Pública democrática, inclusiva, gratuita e de qualidade para todos.
República dos Pijamas
A linguagem cimentada em “classes”, “progresso”, “trabalho” e “desenvolvimento” da esquerda que advém pós segunda guerra mundial é posta de lado para falar em “melhores práticas”, “bom senso”, e “evidência”. Com a coordenação das ONGs, a metodologia dos thinks tanks e a linguagem emprestada da académica, a esquerda Brâmane trai a social democracia que tanto lhe serve de inspiração.
República dos Pijamas
Derrota após derrota, a esquerda chegou à semana de 4 dias
República dos Pijamas, 21 de Outubro 2024
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O actual governo do PSD e CDS-PP é exímio nas cortinas se fumo. Agora é a "carga ideológica" da disciplina de Cidadania. Falar do OE e da sua "carga ideológica" (essa sim existente e clara!), não convém. Daí mais uma cortina de fumo. E resulta. A verdade é que resulta. A prova está, precisamente e em certa medida, nesta minha publicação.
Cumprir Abril
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Ainda me lembro da primeira vez que vi o "video clip" de "Even Flow". E no fim pensar "quero ter uns calções como os daquele gajo". Em casa o dinheiro não abundava e por isso expliquei muito bem à minha mãe como eram os calções. Por sorte havia lá por casa um par de calças de ganga verde que há muito tinham deixado de cumprir a sua função. A minha mãe com uma paciência só dela lá me fez os calções com uns bolsos nas pernas conforme eu tinha estipulado. Depois foi arranjar um t-shirt mais uma camisa de flanela. Botas de pneu já tinha. E foi esse o meu "uniforme" durante o Verão. Se não estou enganado foi um dos mais luminosos de sempre. Isto tudo para dizer que passados todos estes anos (e já lá vão 33) foi comprado em CD (parece que agora os CDs é que são "retro") um dos álbuns da minha vida. E porra! Já saltei e pulei e por pouco não me vieram as lágrimas aos olhos quando novamente me vi frente ao espelho a treinar a pose mais o orgulho de ter uns calções como "os daquele gajo".
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Sixteen Horsepower - Low Estate (1997)
Quando algures em 1998 o Miguel Martinez me deu a conhecer Sixteen Horsepower, e este "Low Estate" (1997), rapidamente se tornaram, para mim, numa banda de culto (tenho, aliás, todos os álbuns dos rapazes de Denver). A verdade é que aquilo que ouvia era muito diferente das sonoridades que povoavam os meus dias, a começar pelo sotaque do vocalista, David Eugene Edwards (que passou por Crime & The City Solution, e que é vocalista de Wovenhand [banda altamente recomendável]), que remete para os estados do sul dos Estados Unidos da América. Todavia, o tom combinava com o preto que vestia todos os dias. O álbum (produzido nada mais nada menos do que por John Parish) é povoado pelas dicotomias amor/perdição, luxúria/arrependimento e os possíveis jogos entre elas. Aliás, a religião é algo muito presente nas letras das músicas, que são uma combinação de country, folk, gospel, bluegrass e rock. Uma combinação, diga-se, muito bem conseguida. Temas como "Brimstone Rock" (que abre o álbum), "For Heaven's Sake", "Coal Black Horses" são bem representativos dessa mescla. Mas é o tema "Phyllis Ruth" que resume todo o imaginário desta banda, que anda muito pelas águas do chamado "American Gothic": "As one with spirit yes/She goes where it goes/What my little girl sees from the sill/Nobody knows/As one with spirit yes/She goes where it leads/Oh boy, that's where my little girl feeds". Já o tema "Dead Run" remete-nos para aquele Nick Cave and the Bad Seeds inicial, onde não existia a lamúria existencial, antes a revolta, a fúria, o dedo apontado ao rosto de Deus. Sixteen Horsepower (às vezes 16 Horsepower) há algum tempo que deixaram de existir. Mas ainda podem ser encontrados por aí. Arrisquem.
Manuel Loff
Centenas de milhões de europeus migraram dentro do continente e para fora dele (especialmente para as Américas) nos últimos 200 anos, procurando o mesmo refúgio e fugindo das guerras, perseguição e miséria de que fogem todos os migrantes e todos os refugiados em qualquer momento da história. A securitização das migrações e, em especial, do direito de asilo, é uma impostura nauseabunda na boca de quem quer acabar com a democracia pela política do medo que, desde o 11 de Setembro, continua a ser usada como instrumento de governo. E o governo pelo medo tem um nome. Ditadura.
no Público, 16 de Outubro de 2024
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Tendo em conta o massacre, o genocídio do povo palestiniano em Gaza, sou assaltado muitas vezes pelos versos do poeta polaco Juliusz Slowacki, que li, como epigrafe, num poema de Zbigniew Herbert: Não é tempo de chorar as rosas/quando há florestas a arder.
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Uma coisa é certa (e Paulo Raimundo tem toda a razão): até dia 10 de Outubro não havia Orçamento de Estado e só se falava de medidas que iriam estar no Orçamento de Estado. Depois do dia 10 de Outubro há Orçamento de Estado e não se fala dele, pois andam-nos a entreter com novelas e novelinhas. Mas falar do que é essencial (o Orçamento de Estado) é que não. Nada. Nicles. Batatoides.
Pequena declaração dominical
Sérgio Sousa Pinto é o que de mais reaccionário (ainda se pode dizer?) existe no PS. A sua arrogância, mascarada de ética republicana (bengala que fica sempre bem usar), é uma vergonha e, penso, uma embaraço para as forças mais progressista dentro do PS.
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Mas não nos iludamos. A discussão sobre a validade, ou não, do IRS Jovem deve acontecer; a discussão sobre o IRC deve acontecer; a discussão sobre os comentários impensáveis a propósito dos jornalistas deve acontecer. Mas não nos iludamos. São tudo cortinas de fumo que desviam a atenção daquilo que é essencial: o aumento dos salários, das pensões, o reforço do SNS e da Escola Pública, o direito à habitação.
Indignar-me é o meu signo diário
Não considero um exagero dizer que Montenegro (que ainda é o Primeiro-Ministro de Portugal) atacou ontem a classe dos jornalistas, tanto na sua dignidade e profissionalismo, como também na sua ética. O episódio dos "auriculares" é de um provincianismo atroz, não sendo digno de um Primeiro-Ministro. O seu comentário, desrespeitoso e tacanho, aproximou-o de um governante "à la Trump" (onde os meios de comunicação social são constantemente retratados como "nasty people") e da extrema-direita que vê os meios de comunicação como alvos a abater (excepto de forem detidos pela mão que alimenta), apesar do discurso mentiroso do "respeito pela liberdade de expressão".
Acresce a tudo isto o "plano" do governo para a RTP, nomeadamente com despedimentos programados e perda de receita própria (através do fim da publicidade paga). Não esquecer, ainda, o dinheiro do erário público que está previsto para os grupos privados de comunicação. Um deles, a SIC (detida totalmente pelo grupo Impresa) tinha uma passivo financeiro, no final de 2023, superior a 212 milhões de euros.
Sobre a questão da habitação
As medidas avulsas do governo estão a ter estas consequências. Aliás, não nos podemos esquecer daquilo que disse a Ministra da Juventude, no dia 1 de Agosto, relativamente ao apoio à habitação, promovido pelo governo: este iria ter um efeito "marginal" e que o mais provável é que faça subir, ainda mais, os preços das casas.
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No fim-de-semana passado, um soldado da GNR foi apanhado numa manifestação neonazi em Guimarães. Foi apanhado porque entrou em confrontos com a PSP.
Hoje, na sala de professores, ouvi "não sou racista, mas não gosto de ciganos".
Há uns anos este género de discurso acontecia. Mas depois, durante algum tempo, desapareceu. Agora, legitimado pelo discurso de ódio proferido por eleitos à Assembleia da República, voltou com um à-vontade enorme, sem vergonha na cara, rosto levantado e orgulho.
Benoît Bréville
A história vê-se manipulada para alimentar estes conflitos, quando deveria ser utilizada para os compreender, para conhecer as suas raízes e o que está em jogo. Mas o instantâneo é mais adequado à narrativa que os comentadores querem transmitir. Para eles, a conclusão é óbvia: a guerra na Ucrânia começou a 24 de Fevereiro de 2022 e a guerra em Gaza a 7 de Outubro de 2023; num caso, a Rússia atacou a Ucrânia e no outro, o Hamas atacou Israel. Ora, as vítimas têm todo o direito de se defender, e o Ocidente tem todo o direito de as ajudar a fazê-lo. Está demonstrado o que se queria demonstrar.
Não que seja falso. Mas dar um passo atrás dá uma imagem completamente diferente. A guerra na Ucrânia não pode ser compreendida sem recordar que, quando a URSS entrou em colapso, enquanto a Rússia estava de joelhos e já não constituía uma ameaça, os Estados Unidos optaram por manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Esta integrou a seguir um número crescente de antigos membros do Pacto de Varsóvia, bem como de antigas repúblicas soviéticas, com planos para integrar a Geórgia e a Ucrânia. Uma aliança anti-russa, um enorme destacamento militar e estratégico às portas da Rússia. Imagine-se, como ironiza Noam Chomsky, que o México assina uma aliança militar com a China e, depois, autoriza a China a estacionar tropas e armas mesmo junto à fronteira americana, apesar dos avisos de Washington… Se os Estados Unidos reagissem invadindo o território mexicano, quem acredita que a União Europeia, preocupada em fazer respeitar o direito internacional, entregaria dezenas de milhares de milhões de dólares ao país agredido?
em Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Outubro 2024, p. 25.