Os números da mentira dos senhores da guerra - Nuno Ramos de Almeida


Numa carta enviada aos líderes europeus, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs um plano de rearmamento, com cinco pontos, com o intuito de gastar 800 mil milhões de euros. Em primeiro lugar está «o aumento do investimento de cada Estado-membro em defesa a nível nacional», gastando mais 1,5% do PIB. Para isso, Bruxelas propôs regras orçamentais mais flexíveis, de forma a que o aumento do investimento não desencadeie um procedimento por défice excessivo.

Será também criado um novo instrumento com 150 mil milhões de euros em empréstimos para investir em armamento, como mísseis, munição, drones, anti-drones, entre outros. Neste ponto, Von der Leyen referiu ainda que os países podem ter de aumentar o seu apoio à Ucrânia.

O objectivo declarado, deste plano, é o combate à ameaça russa e defender a Ucrânia. Mas esta operação de corrida aos armamentos e de deriva para a guerra baseia-se em várias mentiras e numa ilegalidade.

A Comissão Europeia não pode traçar metas de gastos militares para os 27 Estados que a compõem, as questões de defesa, no tratado da União Europeia, são da exclusiva responsabilidade de cada um dos Estados-membros.

Portugal gasta 1,55% do seu PIB em gastos de defesa, assumiu que até 2029 iria atingir os 2%, o que significa despender cerca de 6 mil milhões de euros. Com a proposta da União Europeia passaria a gastar, pelo menos, mais 4,5 mil milhões de euros, uma soma superior a 10 mil milhões de euros e 3,5% do PIB.

Se formos obrigados a cumprir a «meta» agora exigida por Donald Trump, temos de gastar 5% do PIB, perto de 15 mil milhões de euros, uma verba equivalente aos gastos orçamentados para o Serviço Nacional de Saúde. O que significa que esta corrida aos armamentos iria, pura e simplesmente, acabar com o Estado Social.

Esta «ordem» ilegal da Comissão Europeia baseia-se na afirmação de que a Rússia vai invadir a União Europeia (UE) e que os países da Europa Ocidental se encontram desarmados perante o poderio militar ofensivo da Rússia.

Um argumento bastante contraditório em relação ao que nos têm «vendido» nos últimos anos, de que a Rússia não tinha capacidade de ganhar a guerra da Ucrânia. «Têm de tirar os chips das máquinas de lavar roupa, para os colocar nos mísseis», garantiram-nos. E agora dizem-nos, com igual convicção, que, em poucas semanas, a Rússia pode invadir toda a União Europeia.

Mas aquilo que não nos dizem é que, actualmente, os gastos militares dos 27 países da UE, somados aos do Reino Unido, são quatro vezes maiores do que os da Rússia, cerca de 400 mil milhões de euros contra 100 mil milhões de euros de uma Rússia em guerra. A estes gastos estratosféricos a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pretende somar mais 800 mil milhões de euros.

Segundo Emmanuel Todd, no seu livro sobre a derrota do Ocidente, o PIB da Rússia somado com o da Bielorrússia é 3,3% do PIB das potências ocidentais (UE, Reino Unido, Estados Unidos da América, Japão, Coreia do Sul, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Uma desproporção gigante aumentada pelo facto de os EUA gastarem mais de 800 mil milhões de euros por ano em despesas militares.

Diz-se, nos Estados Unidos da América, que as pessoas que têm um grande martelo acham que todos os problemas são pregos. Aqueles que apostam na militarização da União Europeia querem garantir a aceitação do regresso de uma guerra mundial em terras europeias.

A forma acrítica como os órgãos de comunicação social têm registado esta perigosa corrida aos armamentos, preparando as respectivas opiniões públicas para aceitar uma guerra que pode acabar com o planeta, parece repetir a dinâmica narrada por um conhecido escritor britânico.

O efeito de manada que se assiste no pseudo-jornalismo dos grandes acontecimentos mundiais faz lembrar uma história contada no livro O Enviado Especial, de Evelyn Waugh, sobre um grande repórter que é enviado para cobrir um conflito nos Balcãs. Na época, as deslocações eram feitas de comboio. O admirável jornalista adormece e sai na estação errada, o que no meio da confusão da região significa que desembarcou na capital de uma outra república. Já que lá está, começa a enviar telexes sobre uma crise, um conflito que se vai transformar numa guerra civil.

Perante a publicação destas notícias, outros jornais mandam jornalistas. Ao entrarem no país não vêem nada disso, mas como o grande repórter continuava a enviar textos sobre a guerra civil que avançava, para não perderam perante a concorrência, fazem o mesmo e expedem um conjunto de notícias cada vez mais graves. Perante as peças dos jornais, a bolsa despenha-se, o governo desse país demite-se e o país entra finalmente em guerra civil. Como vêem, a ficção é uma pálida imitação da realidade que assistimos hoje.


em AbrilAbril
em linha no dia 10 de Março 2025

Sem comentários: