Ana Leonor Santos


     Falar de crise da educação é referirmo-nos, a montante dos sintomas que a denunciam, ao reconhecimento da inadequação dos princípios orientadores da acção educativa. A crise corresponde ao momento no qual os preconceitos desaparecem e ressurgem as questões para as quais os mesmos constituíam respostas. Sob esta perspectiva, pode tratar-se de um momento particularmente fértil, se a salvo das ideias feitas e do pathos da novidade. Foi no século XX que, no que diz respeito à educação, se produziram as consequências mais gravosas destes dois factores, precisamente na medida em que abriram caminho para as teorias modernas da educação, relativamente às quais Hannah Arendt destaca três ideias basilares, a saber: (i) existe um mundo próprio das crianças, bem como uma sociedade formada por elas; enquanto seres autónomos que são, devemos deixar que se autogovernem. Consequência: do ponto de vista do adulto, este ficou desamparado face à criança tomada individualmente, restando-lhe permitir que esta faça aquilo que lhe agradar e impedir que aconteça o pior; do ponto de vista da criança, liberta que ficou da autoridade dos adultos, viu-se submetida a uma autoridade mais tirânica —a da maioria. Tomada isoladamente, a criança tem escassas hipóteses de se revoltar ou de fazer algo por iniciativa própria; deixou de estar na situação de uma luta desigual com alguém que detém superioridade absoluta sobre ela— situação na qual podia contar com a solidariedade dos seus pares —, passando à situação de ser uma minoria de um só face à absoluta maioria de todos os outros; (ii) a ideia de que é professor aquele que é capaz de ensinar seja o for. Consequência: porque a sua formação é em ensino e não em conteúdos particulares, muitas vezes pouco mais sabe sobre o que ensina do que os seus alunos; (iii) a ideia, considerada a mais perniciosa de todas, respeitante à substituição do aprender pelo fazer, porquanto se considera, no âmbito de uma concepção pragmatista, que só conhecemos e compreendemos aquilo que fazemos por nós mesmos. Consequência: tendo em conta o pressuposto de que o jogo é o modo mais apropriado de a criança se introduzir no mundo, porque o mais espontâneo e característico, há que suprimir tanto quanto possível a diferença entre trabalho e jogo, em benefício do último, sem tampouco inculcar gradualmente o hábito de trabalhar ao invés de brincar, situação característica da idade adulta.


em A Democracia nos Limites da Escola. Ou da Disjunção entre Educação e Política em Hannah Arendt, Covilhã: Universidade da Beira Interior, Colecção Artigos LusoSofia, 2009, pp. 7-8.

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