Um poema de Paulo Navarro Costa


L'échorché de Cécile

dos insectos retidos no resto do rosto:
um troféu,
sentia ondas correntes pulsáteis de calor a varrerem
cutícula
por dentro como um sismo

a pele estalava

no teu lábio

um sol de herpes começa a arvorar
e o teu corpo é luciferina
em princípio de escamação,
saturações cromáticas
o crepitar dessa voz torrada num ardor que não se
apaga

todas as estações ardes um pulmão
terreno infértil mesmo para a centopeia dos músculos,
nesse solo e cérvix por explorar
acenderia a lua de nacre
na capela ensanguentada

mas não posso tocar
virgem
dos queimados
por isso teço esta gaze em forma de poema

ao cobrires a sementeira vazia recorda-te
que na verdade
somos todos assim,
homens,
não te iludas por tostão e meio de verbo

               ESTE É O TEMPO DOS CANALHAS.


em A Insurreição dos Corpos, Lisboa: &etc, 2008, pp. 10-11.

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