Catorze
A alma dum rapaz é naturalmente
fascista. Não se deixa levar
pelo brado da justiça. Conhece bem
as pedras e a força que as anima.
Sabe a que distância um insulto fere bem.
Não precisa de estudar o ADN, a lei
do mais feroz. Esmurra quem lhe foge,
conjuga sempre os verbos no presente,
acende numa sarça o cigarro inicial.
José Miguel Silva
Vista para um
Pátio seguido de Desordem
Relógio D’Água, 2003, p. 26.
A minha relação com a poesia de
José Miguel Silva não é d'agora. Alguns amigos sabem que Vista para um pátio seguido de Desordem foi para mim um livro
decisivo na mudança da minha própria poética. Os mais próximos sabem que o
considero o melhor poeta da sua geração (apesar de "geração" ser um
termo perigoso). Não é segredo nenhum que admiro este género de manifestação
poética, em detrimento de outra demasiado umbiguista mas com pretensão de
universal, e que vai sobrevivendo à custa de melícias organizadas que atacam
tudo o que lhes cheira a heterodoxia, ou "regresso ao real", como se
a Poesia alguma vez tivesse sido ortodoxa, ou sido expulsa do "real", para assim ter de existir um regresso. Penso que este poema é universal.
Todos nós tivemos catorze anos. Mas também é certo: há quem já nasce muito
velho.
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