sequência 15
Uma escrita à velocidade da luz reteria um destes
sinais de embalo ou repelência. Estás no centro da lenta observação de um lugar
desconhecido. Uma dessas cervejarias das metrópoles: máquinas de jogar o tédio,
gente ruidosa ou de olhar vago sobre o balcão. Tu és nesta cidade um andar
estrangeiro, ouves em teu redor uma língua que não é a tua. E chove, ou se não
chove está húmido. A avenida que corre o vidro desta mesa gigantesca, quer
dizer: indiferente. Nas suas paredes nascem e morrem outras ruas, cruzam-se,
vomitam luzes amarelas que se ignoram e disputam. Numa dessas escangalhadas
ruas as portas cobrem-se de putas encostadas à entrada. Mais ou menos longas
pernas obedecem aos cinco graus negativos de Paris. No tronco, fetichistas
casacos de peles concluem uma página da «Photo». Aí estão de 24 a 24 horas, tu
passas e elas dizem sem qualquer outra palavra, cent cinquant franc, monsieur,
demi heure ou comme ça. Flocos de neve caem em massa por entre as difusas
lâmpadas do mercado e envolvem as putas num nórdico mar. Olho quase sempre sem
emoção os seus rostos neutros, mesmo quando dizem cent cinquant franc,
monsieur. Num sítio deste espaço, dois homens de sessenta anos dormem. Com as
mãos sob os cabelos, onde dormem? No chão coberto por uma grade de ferro que
filtra subterrâneo o ar manso do metropolitano. Foi ontem que numa dessas
grades morreram um homem e uma mulher. Por baixo deles, é verdade, estava
quente; mas em redor das cabeças e dos pés o quente gerara água; e de cima, nos
seus corpos, caía frio. Repara: o que no meio disto em ti sobrevive não é já a
revolta, porque toda a revolta mergulha quando existe um eco que a escute, e
nada definitivamente se escuta já no cartaz que em frente publicita o senhor
George Marchais. O que no meio disto sobrevive, porque a pouco e pouco
construída, porque íntima, é a voz da tua impotente solidão.
E sem dúvida, o teu medo.
em Bardo, Lisboa: & etc,
1981, pp. 60-61.
1 comentário:
Beleza crua. É a nudez da pobreza.
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