Carta
Por
mais que me asfixies de sombra
não
impedirás que eu encontre a custódia
onde
o meu amor entesourou divindades
nem
que as tuas impressões digitais
dancem
no meu ar como poeira de abelhas
Por
mais que te aumentes de silêncio
não
conseguirás calar a tua voz
que
ceifa num clarão a seara dos meus desejos
Podes
entrançar cordas de distância no rumo decidido
que
as nossas vidas terão as mesmas fronteiras
e
registado na eternidade ficará o nosso abraço incomum
Se
foste meu mestre
eu
ensinei-te uma linguagem sem símbolos e sem intérpretes
Se
foste meu deus
eu
criei-te um universo e um infinito que te batem no pulso
Se
teu riso com espadas de carne
punha
meu corpo tenso com volutas de êxtase
o
meu riso com sirenes de sangue
cobria-te
de polpas frescas e saciava-te de dia
Podes
multiplicar teus sonhos como hipóteses
que
a realidade é eu ser gémea da tua realidade
E
se não venço a dor de me saber póstuma em ti
lanço
lavas astrais na minha caravela
que
sulcará para sempre a tua água inaugural!
em Terceira
Asa (1960),
retirado Antologia
da Novíssima Poesia Portuguesa (org.
Maria Alberta Menéres e E.M. de Melo e Castro), 2ª edição
revista, actualizada e com uma nova introdução, Lisboa: Livraria
Morais Editora, Colecção Círculo de Poesia, 1961, p. 23.