Segredos do
ofício
1. Trabalho
criador
Assim
acontece: uma lânguida inquietude;
o relógio
não pára de bater nos ouvidos;
ao longe
estrondos de trovoada, esmorecidos.
Ouço das
obscuras vozes, prisioneiras,
como que as
lamentações e os gemidos,
aperta-se um
anele secreto, mas já se alteia
neste abismo
de murmúrios e de tinidos
um destacado
som que a todos suplanta.
Em torno
tudo é silêncio tão irreparável
que se ouve
a erva nascer na floresta
e o homem
com sua trouxa errando pla terra…
E já se enxerga
o dia, se vislumbram palavras,
soam longínquos
repiques leves de aviso –
e logo
dentro de mim tudo se percebe,
e as linhas
simples, a todo o seu comprido,
vêm
deitar-se na folha virgem da neve.
em Só o
Sangue Cheira a Sangue, selecção, tradução, introdução e notas de Nina Guerra e
Filipe Guerra, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 57.