Um poema de Pedro Sena-Lino


o teu corpo sabia tudo dos incêndios
que lavraram cartago e as velas brandas
que cortavam as noites mortas de kavafis

sabia dos verões que tinham crescido
na vizinhança surda do pânico

sabia como dói a água
que nasce dentro

sabia onde eu no princípio
e onde a luz nunca demorava

ouves a terra onde chegámos
ainda antes do corpo
ouves o sopro de pedra das palavras
o voo Deus dos gestos
a substância e carne do silêncio

deita comigo o nunca
e leva a madrugada no teu sangue


em zona de perda, livro de albas, Vila do Conde: Objecto Cardíaco, 2006,  p. 15.