Um poema de António Manuel Couto Viana


Matemos a poesia

Viva quem dorme ao luar
Como num fofo colchão;
Quem não ouve sereias, ao molhar
O corpo inteiro e lúcido no mar,
Com arrepios de aflição.

Viva quem tem seu afazer
E preocupações de dinheiro;
Quem na vida não sabe mais do que viver
E só julga verdade o verdadeiro.

Viva quem pode gritar, lutar, barafustar
(Mas não em poemas!) como gente natural, correcta:
Esses, sim, merecem cá ficar...
- Eu não, que sou Poeta.


de O Avestruz Lírico (1948) em 60 anos de poesia, prefácio de Fernando Pinto do Amaral, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, colecção Biblioteca de Autores Portugueses, 2004, p.84.