Lí por aí


Sobre o livro Que o Fogo Recorde os Nossos Nomes (Antonio Orihuela, Medula, 2013):

À margem de discursos reinantes e oratórias comuns, essa obra surge de uma propensão inata para o intervencionismo libertário, em diálogo com toda uma tradição que é, paradoxalmente, a de um confronto ininterrupto com a própria tradição. Ou seja, esta poesia alimenta-se de um estado de crise sem descontinuidade, o seu paradigma é o de uma relação crítica com o mundo alicerçada na liberdade de pensamento e, por consequência, na liberdade de expressão desse mesmo pensamento. Não obstante, encontramos neste poema uma contaminação emocional que advém da ameaça imposta pela doença. Sabendo-se para a morte, o poeta constrói um poema onde a despedida de lugares, influências, no sentido de referências, coordenadas políticas, sentimentais, literárias, artísticas, tecem um mapa emocional que é, feitas as contas, a substância caótica do próprio sujeito poético. Mais do que confissão impõe-se o conceito de catarse, utilizado há muito por Aristóteles para definir o objecto da tragédia. Dizia o estagirita que esta purificava, oferecendo-lhe um significado de tratamento que, não salvando da morte o espírito ameaçado, pelo menos alivia a dor cuja origem pode encontrar feridas diversas. Em Orihuela, a catarse reproduz uma narrativa evocatória do espírito beatnik, atirando para o ar, sem lógica aparente, inúmeras referências das quais o poeta se despede com uma raiva que permite antever na sombra dos versos tanto uma certa nostalgia como a desesperança provocada por um presente falhado: «Adeus Diggers que destes de comer ao faminto / pelo simples facto de ser assim que se deve fazer. / Adeus Yippies que quisestes abolir o dinheiro / e a polícia. / Adeus hippies, paz, amor e moca, / o vento levou-os, mas para onde, para onde? / (…) Adeus USA, esfomeado esgoto do mundo» (pp. 14-15).


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