Ridendo Castigat Mores

Na nota introdutória JP Simões (1970) diz-nos que «Todos estes contos foram escritos durante o ano de 1996». Estávamos no iniciar da febre tecnológica (muito longe do choque) que rapidamente tomou conta de Portugal. Uma série de democratizações (internet, telemóveis, computadores portáteis, PDA’s) invadiram o país, passando a nossa vida a depender de pequenos objectos onde passámos a depositar as nossas vidas, confiantes na sua infalibilidade, seguros da sua importância, verdade: onde aprendeste isso? na internet! A wikipédia ainda estava longe de ser criada, mas o homem começava já a citá-la. Os dez contos que compõem O Vírus da Vida, são uma viagem a um Portugal algures entre Blade Runner e 2001 – Odisseia no Espaço. Ficção Científica? Não, longe disso. A ficção cientifica, se é que se pode aplicar o termo a estes contos, é apenas o mecanismo que o autor encontra para fazer a crítica social que tanto caracteriza outros textos seus, para parodiar com o advento da tecnologia que todos vai salvar. Pelo meio disto existem as ilustrações de André Carrilho (1974): belas, simples, complementares. Mas voltemos às palavras. JP Simões demonstra, mais uma vez, que conhece muito bem a Língua Portuguesa e todas as suas potencialidades. A crítica, a ironia, a sátira, são os seus territórios por excelência. No conto I.S.S.O. (Indutores de Sentimentos e Sensações Oníricas), os habitantes de Lisboa compram mais de 100 mil aparelhos, só na época do Natal, devido à incapacidade de produzir ou demonstrar qualquer tipo de afecto, estima ou amor. É, sem dúvida, o conto que mais nos faz pensar no estilo de vida que tomou conta das grandes cidades (não só portuguesas, como é óbvio), onde a apatia, a desconfiança e a violência, dominam os sentimentos dos seus habitantes. A filosofia de JP Simões é a mesma que movia Gil Vicente: ridendo castigat mores. Trovadores, escritores, poetas, cronistas do quotidiano como JP Simões fazem falta em Portugal, para que não nos aconteça o mesmo que aconteceu a Luís: «e desapareceu numa lâmina de luz: digitalizou-se à minha frente.» (p.59).

JP Simões e André Carrilho, O vírus da vida, Lisboa: Sextante Editora, 1ª edição, 2007, pp.59.

Sem comentários: