O outro lado do Outro lado da questão



Aquilo que o Henrique Fialho escreveu neste seu post faz todo o sentido. De facto a autocrítica em Portugal não está suficientemente enraizada, mas não sei se o está em algum lado. Nesse aspecto os blogues foram uma mais-valia: eles tornaram mais clara essa ideia. O que existe é a bajulação. Quanta da crítica feita em blogues é imparcial? Quantos dos elogios feitos são sinceros? Eu já aqui escrevi sobre dois livros do Henrique (aqui e aqui). Aquilo que escrevi foi, em certa medida, elogioso. Que sentimentos me moveram? A amizade? O respeito? Ou a qualidade daquilo que o Henrique escreve? É claro que essa coisa da qualidade é um tema muito discutível. O que é qualidade para uns não é qualidade para outros. O que é literatura de primeira hoje poderá ser literatura de segunda amanhã. O mundo rápido em que vivemos é propício a isso. Contudo, não concordo com a outra parte do post: «Afinal de contas, por que razão há-de alguém querer publicar um livro em Portugal?». Não vejo razão para não se fazer. Se alguém quer publicar deve fazer tudo para conseguir. Se recorrer a editoras minimamente honestas, elas lhe dirão se aquilo que escreve tem valor literário (seja lá o que isso for). É claro que há editoras que publicam tudo o que aparece – desde que o autor pague na totalidade toda a edição. Todos nós sabemos quais são, não vou estar para aqui a enumerá-las. E se os amigos são realmente amigos não nos dizem que nós somos génios literários. Tenho amigos que não gostam daquilo que eu escrevo e eu respeito bastante essa opinião. Já os familiares nunca se pronunciaram em relação a nada daquilo que faço. A questão da vaidade é outra a história. Quem é que não fica vaidoso com o trabalho feito e reconhecido por outros? A vaidade é algo de inerente ao homem. Todos nós somos vaidosos e não há nada que se possa fazer. E não acredito que «perder tempo com um livro de um jovem autor significa não ganhar tempo com um clássico da literatura universal.». Quantas vezes um jovem autor nos abre as portas à grande literatura? São poucos. Mas há.

10 comentários:

hmbf disse...

Dizes que não concordas com uma parte do meu post. Eu discordo que não concordes, vejam bem a minha arrogância. Permitam que me explique. É que estás a discordar de uma mera dúvida, de uma inquietação pessoal. Limitas-te a arranjar respostas para as minhas inquietações. Eu tenho dúvidas, tu tens respostas. Eu nunca afirmei, o que seria absurdo, que não se devia publicar em Portugal. Eu pergunto-me é porque é que há-de alguém querer publicar um livro em Portugal? Um grande amigo uma vez respondeu-me a esta inquietação com outra pergunta: Por que não? Pelo que eu respondi com o “argumentário” do costume: não há leitores, ninguém respeita os autores, não vamos acrescentar nada ao que já foi publicado, não vamos ganhar dinheiro, porque isto, porque aquilo. A única justificação que encontro é mesmo a vaidade. É uma vaidade legítima, ninguém a critica. Agora não me venham é atirar areia para os olhos. Não queiram que eu acredite que, na maioria dos casos, há algo mais do que a vaidade a alicerçar essa ambição. Ou achas que há. O quê? O desejo de mudar o mundo? A fé de que se é um génio? A vontade de contribuir para o enriquecimento da literatura portuguesa? Tudo balelas. A última citação foi descontextualizada, pelo que não me darei ao trabalho da rebater senão encaminhando os interessados para aqui: http://antologiadoesquecimento-leituras.blogspot.com/.

manuel a. domingos disse...

Também não tenho respostas. Era bom que as tivesse, mas não tenho. As tuas dúvidas só aumentam as minhas. Apesar do tom das minhas palavras sou um gajo com muitas dúvidas. E digo-te: acho muito bem que as pessoas publiquem. Penso que foste tu um dia que escreveste numa caixa de comentários no Insónia (não sei precisar qual), que era bom haver tanta gente a editar em Portugal, pois no meio de muita porcaria aparecia sempre alguma coisa de interessante. Quanto à vaidade penso que é como o argumento da inveja. Já está gasto. Eu sei que há muita inveja e muita vaidade, mas já chega do pessoal se desculpar sempre com eles. Não era minha intenção descontextualizar a tua afirmação. Qualquer pessoa que leia o teu blogue sabe que tu lês e lês muito, sejam velhos ou novos. Por isso peço desculpa. Quanto ao resto temos, sem dúvida, posições diferentes.

hmbf disse...

Pedes desculpa? Porquê? Deixa-te disso.

É verdade que escrevi isso que dizes e voltaria a escrevê-lo, pois é isso que penso. Mas também penso que se houvesse o mínimo de espírito crítico muita coisa não seria publicada, muita coisa não seria enviada para as editoras, muita coisa não seria escrita. Este é um problema terrível com repercussões em várias áreas. Se ficarmos pela questão literária, até posso levantar outro problema: porque é que há tanta gente a escrever poesia? A razão é simples. A maior parte das pessoas que escrevem poesia pensam que é fácil escrever poesia. E para elas até é. Escrevem umas merdas, acham que aquilo é muito bom, não têm qualquer espírito autocrítico. As pessoas são pouco exigentes consigo próprias. Já conheci muita gente que escrevia poesia sem nunca ter lido poesia, algo que julgo sempre extraordinário.

Quanto à questão da vaidade, foges ao problema. A tua resposta é uma fuga para a frente. Mas insisto: a única justificação que encontro é mesmo a vaidade. É uma vaidade legítima, ninguém a critica. Agora não me venham é atirar areia para os olhos. Não queiram que eu acredite que, na maioria dos casos, há algo mais do que a vaidade a alicerçar essa ambição. Ou achas que há. O quê? O desejo de mudar o mundo? A fé de que se é um génio? A vontade de contribuir para o enriquecimento da literatura portuguesa? Se não é a vaidade, então o que é?

Também não percebi a comparação com a questão da inveja.

Vitor_Vicente disse...

"Já conheci muita gente que escrevia poesia sem nunca ter lido poesia, algo que julgo sempre extraordinário."

Henrique, acabei de ler esta deixa em pleno aeroporto e puseste-me a rir diante de um passageiro que chegou com a mala feita em merda!

manuel a. domingos disse...

Essa questão que levantas sobre qual a razão que leva tanta gente escrever poesia também é uma questão que a mim me aflige. Nunca entendi muito bem. A razão que invocas não é nada descabida e entendo-a muito bem. Continuo a concordar que não há espírito autocrítico. Quanto à comparação com a inveja, talvez não tenha sido muito feliz nela. E devido a isso não consigo explicar-me melhor. Quanto às outras questões que me fazes: talvez ainda seja um pouco idealista. É claro que não acredito na mudança do mundo, nem no enriquecimento da língua portuguesa, ou na fé em ser génio. Publiquei um livro por vaidade, admito. Não seria pior pensar que o publicava com a certeza que iria mudar a literatura portuguesa, ou com a certeza que ia mudar o mundo? Talvez a vaidade ainda seja, entre todos os males, o menor e o mais realista. Ou não concordas?

hmbf disse...

Ó Manuel, publicaste tu e publiquei eu e publicámos todos. A merda é que ninguém o quer reconhecer. Esse é que é o ponto.

Victor, vou-te contar duas histórias:

A primeira ocorreu o ano passado. Uma aluna vei ter comigo e disse-me que o namorado era escritor. Sabia que eu era escritor (palavras dela) e gostava de saber o que o namorado tinha que fazer para editar um livro. Eu disse-lhe, a sorrir, que primeiro tinha que o escrever. Ela perguntou-me se eu me importava de falar com o namorado, ao que acedi. O rapaz mostrou-me os poemas, eu li dois ou três e perguntei-lhe quais eram as referências literárias dele (é uma pergutna estúpida eu sei, mas estava a tactear terreno). O rapaz não me soube respodner, pois não percebia que raio era isso de referências literárias. Eu expliquei: quais são os autores que gostas de ler? Ele respondeu-me: ah, eu não gosto muito de ler.

A segunda já foi há uns 5 anos, numa livraria aqui em Caldas da Rainha, onde eu estava a distribuir alguns exemplares da antologia do esquecimento. Um tipo vei ter comigo e perguntou-me se os poemas do livro eram todos meus. Disse-lhe que, pelo menos, tinha sido eu a escrevê-los. Ele estava confuso porque via lá citados os nomes do Herberto, Ruy Belo, Jorge de Sena, Cesariny, etc… Tentei explicar-lhe que eram epigrafes, mas a conversa ficou algo estranha. Então o gajo convidou-me para um encontro de poetas que andava a organizar, entre os quais ele próprio iria declamar poemas de sua autoria. Ah sim? Perguntei eu. Boa, boa. Conversa puxa conversa, começámos a falar de poetas. O gajo só me referia uns nomes muito esquisitos, até que eu perguntei o que é que aquela gente tinha publicado, onde estavam editados, etc. Eu fiquei curioso. Aquela gente eram os amigos dele, nunca tinham publicado nada. Então perguntei-lhe quais eram os poetas que ele apreciava além dos amigos dele. A resposta foi, nunca mais me esqueço: Ando agora a ler uns poemas do Pessoa, mas não gosto muito. Sinceramente nem gosto muito de ler poesia.

Enfim, há gajos para tudo. Tinha outras histórias boas mas não há tempo. Saúde a “ambos os dois”,

bruno disse...

se notares, Henrique, ao afirmares a vaidade como talvez a única resposta que resta para a questão que colocas, estás a assumir a existência generalizada de lucidez, quanto ao acto de publicar e suas consequências, da parte daqueles que o fazem - e talvez esse não seja o caso.
existe, penso, para muita gente, um desacerto entre o que pensam que significa (e.g., quanto ao valor do que é publicado) a publicação de um livro e o que ela, hoje, significa de facto.
tal não implica que muita vaidade existe e realiza coisas. aí, só não percebo o porquê de uma atitude aparentemente neutra em relação à vaidade. julgo ainda que a consciência mais funda do mundo, do tempo, e de nós - que serve de espelho à vaidade, dando-lhe a ver o que ela sempre foi: vazia - não deve ser desvalorizada e posta simplesmente a par da tendência contrária.
ainda quanto à questão de mudar o mundo: é tão ingénuo, julgo, pensar que o mudamos, quanto, se me permites o paradoxo, assumir que não o mudamos. (aqui, mais uma vez, uma perspectiva egocentrada desequilibra em ambos os sentidos)

abraço.

hmbf disse...

Deixa-me só esclarecer algo que pode ficar menos claro quanto ao meu caso. Tu conheces suficientemente bem o meu caso para saberes o que me move. Já falámos sobre isso. Quando digo que publiquei por vaidade não digo que o que me motivou a publicar tenha sido a vaidade, mas sim que, ao convidarem-me para publicar, nenhuma outra razão justifica o meu consentimento que não tenha sido a vaidade. A vaidade, desde logo, que senti por me terem convidado a publicar. E depois a vaidade de ter o livrinho nas mãos, de o poder oferecer à família e aos amigos, essa vaidadezinha estúpida e ridícula de sentir que há algo ali que é nosso e que podemos mostrar ao mundo, a vaidade de dar à luz. Não se trata de uma vaidade de tipo pretensioso, mas de outra vaidade. Em menor grau, talvez seja uma vaidade do género da que sentimos pelos filhos. Se for outra vaidade a motivar-nos, então ela é apenas resultado da nossa ignorância.

Anónimo disse...

talvez nem seja vaidade, mas orgulho.

fep

godgil disse...

Sobre o tema de fundo, queria juntar um apontamento. Em primeiro lugar, há dois momentos autónomos e sucessivos que tornam um livro possível: o momento da escrita, que pertence à privacidade do autor e a decisão editorial de torná-la pública. Muitas vezes confundem-se as duas realidades, especialmente os críticos. O que conduz ao segundo ponto. Como se poderá "pegar" numa obra publicada exclusivamente pelo seu mérito editorial? Recentemente, fui convidado para fazer uma recensão de um livro de poesia (o primeiro) de um jovem autor, numa revista publicada na cidade onde vivo. Acontece que a apreciação foi francamente negativa: os poemas eram mauzinhos, a capa era um pavor e mesmo as ilustrações originais eram sofríveis. Não conheço o autor de lado nenhum. Todavia, se o conhecimento fosse circunstancial, faria o mesmo. Se fosse meu amigo, seria mais do que certo que não faria esta ou qualquer outra crítica publicamente. Mas em privado dir-lhe-ia detalhadamente porque não gostaria do livro. Seria essa a única diferença. Apesar de tudo isto, quem me convidou avisou-me logo, não sei se enquanto circunstância agravante ou atenuante: "olha que o fulano é vaidoso!" Pois.