meia-noite todo o dia
Indignar-me é o meu signo diário (34)
"(...) a frase mais famosa da Guerra da Ucrânia."
Se isto não é aproveitamento da guerra, da tragédia e do sofrimento alheio, eu não sei o que é e desisto de tentar entender. E depois há ainda a hipocrisia e o cinismo daqueles 15%. Esta "ideia" deveria envergonhar quem a teve e a D. Quixote por aderir a ela.
Calendário (31)
Calendário (30)
Bill Evans é para mim um dos mais elegantes pianistas de jazz. É certo que existem outros, talvez mais virtuosos até (penso por exemplo em Thelonious Monk, Andrew Hill [assombroso enquanto compositor também], Herbie Hancock, McCoy Tyner [com um sentido do blues como poucos]), mas Evans consegue a proeza de aliar swing, blues e elegância num combo perfeito. Estes dois álbuns que aqui apresento são icónicos. Gravados ao vivo no The Village Vanguard em 1961, apresentam aquele que muitos consideram o melhor de todos os trios de Bill Evans, composto pelo próprio mais Scott LaFaro (genial contrabaixista morto aos 25 anos num acidente de viação) e o baterista Paul Motion. A simbiose entre os três já tinha ficado patente no álbum "Potrait in Jazz", de 1960 e o primeiro do trio. Mas é nestes dois álbuns que essa simbiose mais se sente, principalmente entre Evans e LaFaro. Temas como "All of you", "Gloria's Step", "Solar" (do álbum "Sunday at the Village Vanguard"), "Waltz for Debby", "Some other time" e "Detour Ahead" (de "Waltz for Debby") são exemplo disso: não há atropelos, imposições e sobreposições; tudo tem o seu tempo, espaço. O equilíbrio entre todas as "forças" é evidente. E, depois, estes dois álbuns, tendo sido gravados ao vivo, têm aquela particularidade de às vezes se ouvir um ou outro riso, murmúrio e até uma pedra de gelo a cair num copo (o de Evans?). O crítico Thom Jurek considera que estes dois álbuns são uma boa introdução a Bill Evans. Não poderia estar mais de acordo.
Estados Filosóficos (143)
A poesia é um acto de resistência contra o esquecimento. O poeta tenta fixar aquilo que não quer esquecer e que não deseja esquecido: um momento, um cambiante de luz, um gesto. Tudo e nada.
Calendário (29)
Ontem foi dia do Grande Arraial de Benfica. Decidi levar a máquina e tentar a minha sorte. No meio de tanta gente é muito mais fácil, para mim, tirar fotografias, pois ninguém repara no gajo da máquina fotográfica, tendo em conta que todos tiram fotografias com os telemóveis. Das várias fotografias que tirei, destaco esta. Gosto do facto de ter conseguido captar este momento.
Vinha da Malcata (Biológico)
Calendário (28)
Calendário (27)
Muitos consideram 1959 como o ano que mudou o jazz. Talvez se entenda a razão: "Kind of Blue", de Miles Davis, "Ah Um", de Charles Mingus, e "Time Out", de Dave Brubeck, foram editados. E também "The Shape of Jazz to Come", de Ornette Coleman. A primeira coisa que salta à vista neste álbum é a ausência de piano. Temos bateria (Billy Higgins), contra baixo (Charlie Haden), corneta (Don Cherry) e saxofone alto (Ornette Coleman), mas nada de piano. Neste album os solos e a melodia parecem estar de costas voltadas, mas isso não é verdade: basta ouvir com alguma atenção o tema "Congeniality". Mas a particularidade que mais se ouve, na maioria dos temas, é a simplicidade da estrutura musical, sem grandes floreados. E quanto aos solos: muitas das vezes estão todos os instrumentos a solar ao mesmo tempo. Cacofonia? De todo! "Focus on sanity" dá-nos, a certo momento, um solo de Haden acompanhado pela bateria de Higgins que está também a fazer uma espécie de solo, não se limitando apenas a marcar o ritmo. Coleman revolucionou a maneira como passamos a ouvir jazz, tal como antes dele o fizeram Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Thelonious Monk. E não se pode pedir muito mais do que isso.
Calendário (26)
Tenho um problema com a fotografia de rua: falta-me a coragem e a descontracção para fotografar. Ali na Rua de São Bento há uns quantos antiquários. Cruzei-me com este senhor na sua loja. Uma aroma a incenso vinha lá de dentro. Parei. Gostei da luz e da composição. Mas continuei a marcha comentando com quem ia
— Estava ali uma foto engraçada.
— Fala com o senhor e pede-lhe autorização. O pior que pode acontecer é ouvires um não.
Voltei atrás e foi o que fiz. Expliquei que era fotógrafo amador, que gostava muito de fotografá-lo na sua loja, que no fim lhe mostrava a foto e se não gostasse apagava
— Posso?
Hesitou. Depois disse
— Tire lá então isso.
Senti que não estava confortável em olhar para a câmara
— Pode continuar a ler o jornal.
Foi o que fez.
Medula, o folhetim (nº. 15 - Junho 2022)
Iniciativa dos Comuns
Calendário (25)
Francis Picabia
Calendário (24)
Comecei ontem à noite a leitura daqueles que muitos consideram o melhor livro de Erskine Caldwell. Tive a sorte de conseguir arranjar esta bela edição da Inquérito. A capa é de José Cadete e a tradução de Adolfo Casais Monteiro. Logo nas primeiras linhas Caldwell consegue prender-nos e transportar-nos para um lugar desolado e desolador. A escrita, como sempre neste autor, é limpa, livre de subterfúgios e palavras desnecessárias e que nada acrescentam.
(...)
Acabei há pouco de ler o meu primeiro policial. Acabei-o com o resto da última luz do dia e com uma brisa fresca a entrar pela janela.
*
O gato deitou-se ao meu lado depois de no meu colo estar e ter cumprido o ritual de amassar a barriga que ando a custo de muitas penas tentar perder. O gato parece não apreciar esta minha decisão.
*
"Para onde havemos de sair, pergunto eu, se em nós já não há uma suficiente soma de delírio?" (Céline).
Calendário (22)
Hoje, na sala dos professores, alguém trouxe para a conversa as questões de género e identidade de género. Fiquei a saber que há quem se assuste com estes temas e os abomine. Mas adiante. A certa altura alguém diz "que são tudo questões de cariz ideológico", numa tentativa de passar a ideia de imposição. Ao que perguntei "E a tua posição? É de cariz estético?". Silêncio.
Poesia.fm
Durante esta semana poderão ouvir sete poemas meus (um por dia). Basta seguir esta ligação.
Calendário (20)
Iniciativa dos Comuns
Jubileu - Anabela Fino
O Reino Unido celebrou nos últimos dias o Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II, assinalando os 70 anos da sua subida ao trono, em 1952, como se de um conto de fadas se tratasse. A bem oleada máquina de propaganda britânica garantiu que nenhum pormenor fosse descurado e, de mãos dadas com as suas congéneres mundo afora, serviu o espectáculo que milhões de espectadores consumiram.
Entre cerimónias oficiais, festas populares, desfiles de modas e fofocas de todo o tipo, não terá sido difícil cativar o público, até porque a empatia com a quase centenária senhora dos fatos coloridos e ousados chapéus ou com os bisnetos que ainda não se vergam ao protocolo é quase garantida.
Durante quatro dias, as programações televisivas foram preenchidas com o fait divers do Jubileu, «escrevendo» a história do reinado de Elizabeth II desligada da história do Império «onde o Sol nunca se põe», como era conhecido o Império Britânico quando dominava um quarto da população mundial e quase outro tanto das terras do planeta.
No conto de fadas servido no Jubileu, os acidentes de percurso ficaram-se pelos dramas domésticos, dissonâncias num mundo cor-de-rosa que não beliscam a História oficial.
A maioria dos britânicos está convencida disso mesmo, como revelou em 2016 um estudo da YouGov, segundo o qual 44% dos inquiridos se diziam orgulhosos da história colonial, 23% não tinham opinião e apenas 21% a lamentavam. A mesma sondagem dava conta de que 43% dos britânicos pensam que o colonialismo foi positivo, 23% não souberam avaliar e apenas 19% o consideravam negativo.
Esta «amnésia colectiva», como alguém lhe chamou, sobre as atrocidades da política colonial britânica, não faz desaparecer um passado marcado a ferro e fogo por crimes como o comércio de escravos; os campos de concentração na África do Sul para subjugar os bóeres; o massacre de Amritsar, na Índia, em 1919, que causou mais de 300 mortos e mais de mil feridos numa manifestação pacífica contra o domínio colonial; a divisão da Índia, em 1947, com a criação do Paquistão, provocando uma guerra que matou mais de um milhão de pessoas; a Declaração de Balfour, em 1917, em que a Grã-Bretanha apoia pela primeira vez o «estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina», com consequências sem fim à vista que os palestinianos continuam a pagar com sangue; a chacina de dezenas de milhares de quenianos durante a Revolta Mau Mau (1952/1963) contra a opressão colonial; etc., etc., etc.
Como terá dito Edmund Burke, estadista, político e escritor irlandês do séc. XVIII, «um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la». Enquanto o que resta do Império se esboroa, a coroa britânica faz de conta que tem futuro no império americano. O sonho colonial continua.
em Avante!, 9 de Junho de 2022