Fala um soldado da conquista - de Jorge Calvetti
Vim porque me pagavam
e eu queria comprar espadas e mulheres.
Vim porque me falaram de montanhas
resplandecentes
como um entardecer no mar
e como o ouro com que haveria de me vestir
quando regressasse.
Mas só encontrei flechas envenenadas,
humidade e mosquitos.
Conheci o terror, noites sigilosas,
índios vestidos com sua beleza sinistra,
a força de uma terra que nos dobrou
como a sede aos animais,
e a movediça mortalha da selva.»
«Alguém falou de honra a bordo.
A bordo
falavam e rezavam com lentas mãos sobre
livros dourados.
nessas mãos se apoiaram o grito e o
desespero;
com essas mãos escavaram a terra que nos
iria cobrir.
Alguém falou de «história» e de «futuro»;
eu apenas penso no que perdi.
Creio que tudo é igual,
as mentiras que nos disseram e as verdades
que encontrámos.
Haverá sempre loucos que viverão de
palavras,
e sempre o mundo misturará com a mesma
indiferença
a vida, que cresce no esquecimento,
a glória, que se arrasta,
e a laboriosa cobiça da morte.
Vim porque me pagavam - de Golgona Anghel
VIM PORQUE ME PAGAVAM,
e eu queria comprar o futuro a prestações.
Vim porque me falaram de apanhar cerejas
ou de armas de destruição em massa.
Mas só encontrei cucos e mexericos de feira,
metralhadoras de plástico, coelhinhos de
Páscoa e pulseiras
de lata.
A bordo, alguém falou de justiça
(não, não era o Marx).
A bordo,
falavam também de liberdade.
Quanto mais morríamos,
mais liberdade tínhamos para matar.
Matava porque estavas perto,
porque os outros ficaram na esquina do
supermercado
a falar, a debater o assunto.
Com estas mãos levantei a poeira
com que agora cubro os nossos corpos.
Com estas pernas subi dez andares
para assim te poder olhar de frente.
Alguém se atreve ainda a falar de
posteridade ?
Eu só penso em como regressar a casa;
e que bonito me fica a esperança
enquanto apresento em directo
a autópsia da minha glória.
1 comentário:
Percebo agora o método criativo do Tony Carreira. É homenagem, é intertexto, é paráfrase, é roubo à moda dos poetas. Vai Tony, estás perdoado.
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