Luso-contemporâneos: José Riço Direitinho


Ao contrário do que sucede noutros países, o designado realismo mágico (como o conhecemos em Jorge Luís Borges, Juan Rulfo, Adolfo Bioy Casares, Gabriel Garcia Marquez, entre outros) nunca teve muitos seguidores na literatura portuguesa, à excepção, talvez, de José Saramago. Considerar a escrita de José Riço Direitinho (1965) de realismo mágico poderá ser arriscado. No entanto, acreditamos que não erramos muito o “alvo”, se tivermos em conta que o realismo mágico procura, em certa medida, violar os padrões realistas de representação literária, ao tornar naturais os elementos sobrenaturais, procurando colocar de lado a incerteza, a ambiguidade e a hesitação, para que dessa maneira os eventos, considerados irreais, fluam sem tropeçar na “realidade” convencionada. Assim, não sabemos se será por isso que José Riço Direitinho é ainda um nome pouco conhecido da nova-literatura portuguesa, apesar da sua obra se encontrar traduzida na Alemanha, Holanda, Itália, Espanha, França, Inglaterra e Israel. Entre 1992 e 2005 (ano da última publicação conhecida do autor) publicou dois romances e três livros de contos. São eles: A Casa do Fim (contos, 1992), Breviário das Más Inclinações (romance, 1994) – com o qual o autor ganhou o Prémio Ramón Gomez de la Serna, foi finalista do Grande Prémio do Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores e mereceu uma Menção Especial no Prémio Eça de Queiroz do Município de Lisboa –, O Relógio do Cárcere (romance, 1997) – tendo arrecadado com este livro o Prémio Villa de Madrid 1998 –, Histórias com Cidades (contos, 2001) e Um Sorriso Inesperado (contos, 2005).

Uma outra razão que pode explicar o desconhecimento deste autor, por parte de um público mais vasto, poderá ser, talvez, o facto de o escritor escrever – na maior parte dos seus livros – sobre um mundo que já poucos conhecem ou desejam conhecer: o mundo rural. No seu livro de estreia, A Casa do Fim, podemos encontrar dez pequenos contos que falam disso mesmo: de um mundo rural, onde as personagens têm nomes bíblicos (Eva, Tomé, Moisés, Abel, Caim, Tiago, João, Zebedeu, Ester, Marta), e onde a vida é comandada por mezinhas, maus-olhados, má-sina, amores infelizes. Outra característica é a presença constante da morte (o suicídio é recorrente), uma morte a que os personagens se entregam sem agravo, sabendo que faz parte do seu destino, destino esse que não pode ser alterado, pois só a elas pertence e nada há a fazer.

Algumas das histórias, escritas por José Riço Direitinho, fazem lembrar aqueles presentes nos livros de Miguel Torga (Contos da Montanha e Novos Contos da Montanha). No entanto, os contos de José Riço Direitinho estão impregnados de um halo de mistério, de misticismo, colocando de lado algum propósito moralizante que podemos encontrar nos contos de Miguel Torga. Outra característica que os distingue é o facto de os personagens de José Riço Direitinho não procurarem alterar o destino que lhes está traçado, pois sabem que nada podem fazer contra ele, ao contrário das personagens de Torga, que procuram fugir às tramas que o destino teceu, revoltando-se. Um bom exemplo dessa entrega ao destino é o conto Auto do Medo (inserido em A Casa do Fim), em que o personagem principal sabe que terá que se suicidar tal como o seu pai, pois é esse o seu destino: «Não podia fugir: o cheiro acre a azeite tulhado trazia-lhe sempre à memória o cadáver do pai coberto de escuro pelas asas dos morcegos e pelas moscas» (p. 61). O mesmo acontece no romance Breviário das Más Inclinações, onde o protagonista (José de Risso – curiosa a semelhança de nomes entre autor e personagem) aceita o seu destino sem qualquer questionamento, pois nasceu com uma marca vermelha em forma de folha de carvalho, e que, segundo a superstição, é um sinal de desgraça, sendo Risso portador de desgraças e outros males, tanto para si como para todos aqueles que o rodeassem. José de Risso vive entre o Bem e o Mal, entre a Virtude e actos a Violência. Ele é herói e anti-herói. E nunca, ao longo das páginas de Breviário das Más Inclinações, existe da parte de José de Risso uma tentativa de alterar tudo isto.

José Riço Direitinho é sem dúvida um nome a reter, não só pela qualidade da sua escrita, mas também pela verdade que esta encerra: um país que aos poucos está a desaparecer, mas também o combate interno do homem com ele mesmo.
 
(texto escrito para o suplemento literário Correio das Artes do jornal A União, João Pessoa, Brasil. O mesmo não foi publicado por motivos alheios ao autor)

3 comentários:

ruialme disse...

Só um apontamento em relação aos "seguidores" do realismo mágico em Portugal: o 1º livro de Lídia Jorge, "O Dia dos Prodígios" (apadrinhado por Vergílio Ferreira", recebe nitidamente essa influência e, tanto quanto percebo, até já foi estudado academicamente.

Nuno Dempster disse...

Bom, e antes desses, temos O Físico Prodigioso, uma obra-prima da Literatura Portuguesa, e não apenas do que é chamado realismo mágico.

Olinda Gil disse...

Ando muito curiosa em relação a J.R.Direitinho. Tenho de ler! E este texto despertou-me ainda mais a curiosidade.