Ó da Guarda!


É porque eu sou a minha voz, é porque ela existe minha no instante em que a estou erguendo, que me escapa a sua intelecção. E todo o equívoco do problema da liberdade está aí. Porque a liberdade experimenta-se e nada a pode demonstrar. Demonstrá-la exigiria que estivéssemos fora de nós, porque na própria demonstracção estamos sendo o homem livre cuja liberdade desejamos provar. Assim, essa tentativa, como disse, é tão absurda como pretender a intelecção de uma língua fora de uma qualquer língua. Porque enquanto entendo uma língua, estou sendo aquela língua dentro da qual estou entendendo a outra. Quando estou tentando endender a minha liberdade estou sendo quem sou na intelecção disso que sou. Eis-nos pois remetidos para o limiar de nós próprios, para o absoluto da escolha antes da escolha, para a identidade incompreensível entre o ser que é nosso e a escolha desse ser.

Vergílio Ferreira (1916-1996): nasceu em Melo, concelho de Gouveia, distrito da Guarda. Embora formado como professor, foi como escritor que mais se distinguiu. O seu nome continua actualmente associado à literatura através da atribuição do Prémio Vergílio Ferreira. Em 1992, foi galardoado com o Prémio Camões. A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois periodos literários: o Neo-realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que marca a transição entre os dois periodos. O texto que aqui se reproduz foi retirado do livro Invocação ao meu corpo.

Sem comentários: