Escrevo neste tempo que guardei só para mim


Não sei se repararam, mas este blogue tem uma inscrição. Está fim da página: «Escrevo porque antes de mim outros também o fizeram» (é uma frase de Vila-Matas que retirei duma entrevista que o autor deu ao JL há algum tempo). Eu escrevo e ponto final. Se aquilo que escrevo tem (ou não) valor literário é outra conversa. E não quero entrar nela. Eu escrevo pois é-me necessário. A minha mãe não escreve: faz renda. Pergunto-lhe porquê e ela diz que lhe é necessário, que precisa da renda para desanuviar, para passar o tempo. Se a minha mãe fosse escritora, talvez um dia escrevesse um poema sobre alguém que faz renda para afastar os fantasmas que a atormentam, para enganar o tempo que passa sem remédio, para criar algo de belo. Não sei. Várias vezes deixei de escrever. Reduzi-me à minha insignificância, vivi uma vida banal, com uma rotina bem definida. Pouco tempo depois dei por mim a escrever sobre essa rotina e como ela me aprisionava. Sim. Escrever é para mim uma necessidade. Muitos dizem que escrever algo de novo é impossível. Atiram-nos com os clássicos à cara, dizendo que tudo aquilo que se escreve agora é apenas uma repetição daquilo que já foi escrito antes. Não vou ser eu a discordar. Em primeiro lugar: não tenho argumentos válidos. Em segundo lugar: não quero percorrer esse caminho, pois sei onde vai dar. Mas uma coisa sei: não é esse facto que me vai impedir de continuar a escrever. Bem ou mal vou continuar. Não vou desistir. Desisti de muita coisa durante estes míseros e inexperientes trinta anos, mas disto não vou desistir. Não posso desistir. Desistir de escrever seria como desistir de respirar (e desculpem-me a imagem pouco inteligente), como beber água quando tenho sede e quando não tenho sede. Escrever escrever escrever. Sem parar. É claro que gostaria de escrever mais do que aquilo que escrevo. É claro que gostaria de escrever os livros que ainda me faltam escrever. Mas isto sou só eu a pensar em voz alta. E o resto pode esperar.

2 comentários:

hmbf disse...

Cada um sabe de si, mas julgo isto um manifesto exagero: «Desistir de escrever seria como desistir de respirar (e desculpem-me a imagem pouco inteligente), como beber água quando tenho sede e quando não tenho sede». Aliás, esta conversa é muito comum. Há tempos escrevi um micróbio a brincar com este tipo de afirmações: De tanto dizerem que a poesia era vital, alguém a confundiu com água e colocou-a à venda num hipermercado. Nenhuma pessoa que escreva, mesmo que faça disso um “hábito desorganizado”, deixa de viver por deixar de escrever. Pode viver pior, mais insatisfeito, menos consolado, mas não deixa de viver. Há uma questão engraçada nisto tudo. Por exemplo, a Tsvietaieva dizia: «Para que escrevo? Escrevo porque não posso não escrever. A uma pergunta sobre a finalidade – uma resposta sobre o motivo, não pode haver outra». Concordo em absoluto com isto. O que é radicalmente diferente de afirmar que não se pode viver sem escrever. Escrever para dar sentido à vida também é giro. Há quem ache que a vida não faz sentido sem o acto de escrever, ou quem julgue ser o acto de escrever uma busca de sentido. Passar daqui, como disse, parece-me sempre uma hipérbole um pouco forçada.

manuel a. domingos disse...

Tens razão Henrique: cada um sabe de si. E tens razão quando dizes que é uma manifesto exagero. E eu sou um gajo exagerado. Mas neste ponto, como em outros, temos visões completamente diferentes: tu, uma visão mais realista e desencantada (acho eu); eu, uma visão mais idealista e romântica. Mas dá-me tempo...