Indignar-me é o meu signo diário


Parece que o piquenique e a marcha das "pessoas em situação de vulnerabilidade" foram cancelados, depois de mais de metade das freguesias de Lisboa se recusarem a participar. A ideia, para o piquenique e marcha, foi de Laurinda Alves, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa com pelouro dos Direitos Humanos e Sociais. A vereadora também já tinha tido a peregrina ideia de levar sem-abrigo ao Rock in Rio.

Sempre que vejo o nome de Laurinda Alves lembro-me do "entre-projectos". Lembram-se? Eu ainda não esqueci, talvez porque, segundo a referida senhora, na altura eu tinha estado e continuava "entre-projectos". Explico. Em 2015, Laurinda Alves dizia, num artigo publicado no Observador (esse "jornal" da vanguarda mais reaccionária do nosso país), que ensinava aos seus alunos de Comunicação, Liderança e Ética (pasme-se!) "nas Universidades onde dou aulas, e onde tenho mais de 500 alunos por ano", que "a terminologia porventura mais ajustada aos tempos que correm deixou de ser ‘emprego-desemprego’, para passar a ser ‘entre-projectos’".

Sim, é isso mesmo. Um desempregado não deve dizer, segundo Laurinda Alves, que está desempregado, mas sim "entre-projectos". E justificava, na altura, a razão da escolha de tal "terminologia": "a atitude dos outros muda quando lhes dizemos que estamos desempregados. Ficam contristados, meio aflitos, e de repente sem nada para dizer a não ser banalidades. Isto, claro, quando do lado de lá prevalece a compaixão. Mas pode ser ainda pior e a nossa confissão de desemprego gerar dúvida, desprezo e aquela distância dos arrogantes que acham que a eles nunca acontecerá tal coisa.". E Laurinda Alves continuava, pois como professora de Ética e Liderança não quer que existam mal entendidos: "[se] lhes dissermos que estamos ‘entre projectos’ a conversa flui com outra naturalidade e interesse.". Como todos sabemos, e se não sabíamos a senhora professora explicou, o importante é a conversa fluir. Dizermos que estamos desempregados pode provocar mau ambiente. E isso não é conveniente. É preferível "falar do projecto em que trabalhamos no passado, do emprego que já tivemos, da nossa área de especialidade ou do curso que tiramos".

Esta técnica, porque é disso que se trata, de desclassificar certas palavras não é nova e há muito está identificada. As suas intenções são óbvias e escuso-me a explicá-las. Laurinda Alves procurou, em 2015,  desclassificar os desempregados para "entre-projectos". Hoje em dia, por exemplo, é o termo "resiliência" que está a ser normalizado, com o objectivo claro de ocupar o lugar de uma palavra em tudo diferente: resistência.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 21°, consagra o "Direito de resistência" e não de "resiliência".  Temos de estar atentos para que nunca, este artigo, seja desclassificado.

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