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A páginas tantas, Biedma diz não saber se Eliot tinha, ou não, uma grande personalidade, ou se era um homem com muita personalidade. Mas, tinha certeza duma coisa: tinha uma personalidade consistente. Penso que maior elogio não haverá, principalmente quando esse elogio é dirigido ao trabalho e pensamento de alguém. Muitas vezes a crítica literária é profícua em adjectivação excessiva, mas poucos são os críticos que falam na consistência do trabalho daquele que estão a falar, escrever. Isso talvez aconteça, nos dias de hoje, devido à falta de consistência da maior parte dos poetas, salvo raras, raríssimas excepções. A maior parte dos poetas escreve a metro (salvo raras, raríssimas excepções), com o objectivo de agradar a gregos e a troianos, disparando em todas as direcções, para, dessa maneira, conseguirem o seu lugar ao sol onde tudo, afinal, seca. A consistência dá trabalho e é algo muito difícil de manter. Leva, principalmente, tempo. E, como todos sabemos, os tempos são demasiado rápidos para quem seja, no mínimo, consistente. Isso, aliado a uma necessidade cada vez maior de exposição, leva muitos poetas a fazer cedências, principalmente de natureza ética, já que de natureza estética é bastante mais comum. Um poeta que procure consistência no seu trabalho arrisca-se a duas coisas: ou a ser esquecido ou a ser ostracizado. E, a maior parte deles (salvo raras, raríssimas excepções), não quer ser esquecido, ostracizado. Assim, a sua consistência torna-se difícil, quer do ponto de vista ético, estético e de personalidade. Aliás, até poderá ter uma certa consistência, mas será muito parecida com a consistência dos "mecanismos de merda" onde chafurda e onde, a bem da verdade, quer e deseja chafurdar. 

7 comentários:

Anónimo disse...

E quem, por exemplo, é, na sua opinião, consistente e quem não é? Um sinal de consistência é também dar nome às coisas.

manuel a. domingos disse...

Caro Anónimo.

Muito obrigado pelo seu mui precioso comentário.

Nunca advoguei, para mim, a consistência que Biedma defende. Assim, não sou consistente, mas também procuro não chafurdar. Talvez ainda não tenha a consistência suficiente para nomear, pois ao nomear uns quantos de serem consistentes, poderia estar a deixar outros que também o são. Seria injusto.

Volte sempre.

Com os melhores cumprimentos.

Anónimo disse...

Que resposta tão airosa, assim é difícil sair mal na fotografia da turma. E o objetivo não é verdadeiramente agitar águas, pois não, é só mesmo aferir da morninha do charco...

manuel a. domingos disse...

Caro Anónimo (11h46min).

Muito obrigado pelo seu mui precioso comentário.

O anonimato também é algo de airoso. Permite, algumas vez, insultar aqueles que dão a cara e assinam com o seu nome o que escrevem.

Ia ser bonito eu mencionar uns quantos, defendendo a sua consistência, e depois aparecer um ou outro anónimo — paladinos da justiça e da indignação — dizerem que "já estava à espera" ou "nada de novo sai dessa tua cabecinha" ou "seria esperar muito de ti..." e por aí em diante. Mas, como já dei para esse peditório: não repito a façanha.

Volte sempre.

Com os melhores cumprimentos.

Anónimo disse...

Não se fala mais nisso. O amigo é muitíssimo à frente em joguinhos de estratégia. É de uma antecipação quase fischeriana, pasmo! E eu a pensar que era só bom, de vez em quando, sustentarmos aquilo que defendemos. Por uma questão de consistência, não sei se percebe? Mas perante cálculos tão prudentes rendo-me à mestria. E sobre o covi19, algum contributo?

manuel a. domingos disse...

Você é mesmo muito, mas mesmo muito parvo.

Mas rendo-me: mais parvo sou eu que lhe dou esta espécie de palco.

Anónimo disse...

Somos todos parvos, meu caro. Mas a pequenez de uns é, ainda assim, menos fastidiosa que a de outros.