Indignar-me é o meu signo diário (20)



(notícia: aqui)

Em 2008-2009, quando trabalhei em São Teotónio, presenciei in-loco as (des)condições em que muitos destes trabalhadores viviam e trabalhavam. Um dia vi uma divisão que era só colchões pelo chão, onde dormiam muitos. A cozinha era um fogão de campismo. Casa-de-banho? Se alguém conseguir chamar casa-de-banho àquilo: boa sorte. Fiquei revoltado. Mas o que mais me revoltava era ouvir certas pessoas dizerem: "lá eles vivem pior do que aqui" ou ainda "lá não ganham o que aqui ganham". Um dia desafiei um colega meu a viver e a trabalhar como eles. Ficou calado. Mas agora, de certeza, essas mesmas vozes irão dizer "agora até net e ar condicionado e relva têm!". Serão as mesmas que comecei a ouvir em 2008-2009, agora reforçadas com um deputado do Chega a dizer "as verdades". Mas a verdade é apenas uma: essas pessoas, que consideram que estes migrantes têm demasiados "luxos" e que vêm para cá roubar o trabalho ao português-de-gema, continuarão a ficar caladas, se alguém lhes voltar a dizer que podem sempre trocar, indo para lá eles. Porque o português-de-gema (e que reivindica para si aquilo que depois não quer ver aplicado nos outros) não quer fazer o trabalho que estes migrantes fazem, a ganhar o que eles ganham, nas condições em que eles vivem. Nem por toda a net, ar condicionado e relva do mundo.

2 comentários:

Gato Aurélio disse...

A memória colectiva é muito curta.
https://www.google.com/amp/s/www.sabado.pt/vida/amp/a-vida-no-bidonville-onde-marcelo-vai-inaugurar-um-monumento

manuel a. domingos disse...

Aqueles que falam são quem nunca emigrou, quem nunca viveu em más condições. Esses não têm memória colectiva, nem memória própria. Vivem de saudosismos, do orgulhosamente só. E aposto que ainda escrevem "orgulhosamente" com o acento grave.