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Tenho esta hora livre para o almoço. Aproveito e procuro refúgio numa sala de aula desocupada. Abro a janela. Risos, o som de uma bola, corrida. Ligo o computador. Vou até ao youtube. Procuro a banda sonora para a meia-hora que ainda falta até à próxima aula. The Louge Lizards, aprendi, são sempre uma boa companhia. Voice of Chunk começa a fazer-se ouvir. A sala está demasiado quente e sabe bem a janela aberta mais a leve brisa que sinto nas mãos e no rosto. Há pouco na rua passei por alguém que cheirava a guarda-chuva arrumado há demasiado tempo e que nunca chegou a secar por completo. Tinha a cabeça dobrada sobre o telemóvel de última geração. No outro dia, numa loja de penhores onde às vezes vou ver de livros baratos (e costumo encontrar lá bons livros abaixo dos cinco euros), uma família gritava e barafustava. Recordo que eram cinco mas podiam ser mais. Gritavam e barafustavam porque um queria um telemóvel novo e o outro uma daquelas colunas para dar cabo dos nervos a uma pessoa e o outro ainda uma outra coluna mais potente do que aquela que tinha. A mãe de todos gritava. O pai olhava impávido e sereno para tudo aquilo. E a avó tentava deitar água na fervura mas era prontamente repelida com um sonoro e agressivo "cala a boca", tanto dos netos, netas, como da filha. Observei-os a todos e a roupa deles há muito que tinha deixado de ser. Também ainda não eram trapos, farrapos, mas há muito que tinham deixado o nome delas para trás. Ao todo devem ter gasto à volta de cento e cinquenta euros. Os sapatos do pai estavam completamente rotos e a sua camisola tinha encolhido, ou a barriga dele tinha aumentado. Os óculos estavam todos colados com fita-cola. Cheiravam todos, também, a guarda-chuva arrumado há demasiado tempo e que nunca chegou a secar por completo.

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