Um poema de Joseph Brodsky


Blues

Vivi dezoito anos em Manhattan.
O senhorio era bacano, mas tornou-se bera.
Um safado, a bem dizer. Odeio-o, meu.
O dinheiro é verde, mas é como sangue a correr.

Creio que tenho de mudar-me pr'à outra margem.
New Jersey acena com o seu brilho de enxofre.
Olha, a conta dos anos pouca importância tem.
O dinheiro é verde, mas não cresce.

Levarei comigo a mobília, o meu velho sofá, enfim.
Mas que fazer com a vista da janela? Sinto-me
como se tivéssemos sido casados, ou algo assim.
O dinheiro é verde, mas dá tristeza à gente.

Um corpo, regra geral, sabe para onde vai.
Creio que é a alma que nos leva a rezar,
mesmo que lá em cima haja apenas um Boeing.
O dinheiro é verde, e eu já deixei de esperar.


em Paisagem com inundação, tradução de Carlos Leite, Lisboa: Cotovia, 2001, p. 221.

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