pedes-me como outrora para te passar
pelo buraco da agulha o fio preto
com os meus dedos grossos
e como outrora as lagartas parecem
um barulho de pedras a esfarrapar
a folha da amoreira
os falcões do infinito seguem o descuido
dos frangos
que passam pela vedação dos vizinhos mortos
o esquecimento coze nos fornos do indeciso Verão
as primeiras ameixas
e nas lamas jaz a sanguessuga
em redor do nevoeiro dos recém-chegados
saem os gestos de palavras que não se deixam
puxar para fora
os seus rostos fundem-se na luz interior
não percebes nada e viras-te para mim
como se o fizesses de costas
eu preparando-me para enganar o indizível
leio ao contrário as tuas perguntas
e ao acordar
digo:
«não te preocupes
que eu traduzo-te
mãe»
em Sombras e Falésias, tradução Corneliu Popa, prefácio de António Lobo Antunes, Lisboa: Guerra & Paz, 2017, pp. 20-21.
2 comentários:
Um livro enorme, enorme.
Belo poema
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