Um poema de Dinu Flamand


pedes-me como outrora para te passar 
pelo buraco da agulha o fio preto
com os meus dedos grossos

e como outrora as lagartas parecem
um barulho de pedras a esfarrapar
a folha da amoreira

os falcões do infinito seguem o descuido
dos frangos
que passam pela vedação dos vizinhos mortos

o esquecimento coze nos fornos do indeciso Verão
as primeiras ameixas
e nas lamas jaz a sanguessuga

em redor do nevoeiro dos recém-chegados
saem os gestos de palavras que não se deixam
puxar para fora

os seus rostos fundem-se na luz interior
não percebes nada e viras-te para mim
como se o fizesses de costas

eu preparando-me para enganar o indizível
leio ao contrário as tuas perguntas
e ao acordar

digo:

«não te preocupes
que eu traduzo-te
mãe»


em Sombras e Falésias, tradução Corneliu Popa, prefácio de António Lobo Antunes, Lisboa: Guerra & Paz, 2017, pp. 20-21.