Um poema de Hart Crane


IV Cabo Hatteras
(excerto)


«Cronistas dos tempos futuros» ― ah, sílabas de fé!
Walt, diz-me Walt Whitman, se o infinito
É ainda o mesmo como o tempo em que caminhavas na praia
Perto de Paumanok ― a tua patrulha solitária ― e ouvias a aparição
Através da ressaca, a sua nota de pássaro caindo lentamente…
Para ti, as paisagens e esta geração de torres,
Tua ― a melodia que se ergue na falésia.
Oh Caminhante sempre em frente pelos caminhos livres!
Não ainda este nosso império, mas o labirinto
Onde os teus olhos, como os do Grande Navegador sem navio,
Irradiam dos grandes rochedos em cada cripta celular
Do tráfego pelos desfiladeiros… Confrontando a Bolsa,
Sobrevivendo num mundo de acções, ― também elas se estendem
Pelas colinas onde outras árvores se dispersam
De novo nas quintas de Connecticut, pastagens abandonadas, ―
Olhos de marés e mares, sem recusas e plenos de mitos!

O gemido nasalado do poder fustiga um novo universo…
Onde pilares em jorros seguem o rasto do céu nocturno,
Sob indefinidas pilhas da gigantesca central eléctrica
As estrelas ferem os olhos com aguçados provérbios de amoníaco,
Novas realidades, novas ideias vagas no murmúrio aveludado
Dos dínamos, que perturbam a audição…
O símbolo do poder, ― rolamentos e bobinas aperfeiçoadas ―
Assente no batimento de correias sobre bobinas ensurdecedoras, funcionando
Na impressionante agitação, a energia controlada das estrelas.
Com que fim? O choque bifurcado do trovão vem de minuto a minuto
Distraindo-nos; mas, de repente, no turbilhão das armaduras dos condensadores,
Brilhantes como olhos de rãs, rindo no contorno
De gargantas de aço ― ligados por um eixo, aprisionados
Numa disposição em espiral, agrupados em mútua alegria
Os rolamentos cintilam, ― Oh sem ruídos reluzentes
Nas espirais lubrificadas de um êxtase cego!


em A Ponte, tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D’Água, 1995, p. 71 e p. 73.

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