Isabel da Nóbrega


— Sim. Não se pode obrigar as pessoas a sentirem-se felizes, não acham? Aliás, essa palavra… Adiante. Dêem a um homem uma boa esposa, uma casa com jardim, trabalho certo, interessante e bem remunerado, férias pagas, máquinas de lavar, de descascar, de limpar; portanto, tempo de lazer, e eu acrescento o amor das plantas e das viagens, e esse homem pode sentir-se profundamente angustiado, profundamente infeliz…
— Que blasfémia!
— Se não se compreende um postulado destes é porque não se compreenderá nunca o homem no mais fundo da sua humanidade. Robot aparentado e identificado com o plástico, o vidro acrílico, a falsa madeira, o material sintético que o rodeia, devendo reagir assim, porque sim, e assado, porque não, e desligado do seu eu profundo, de todas as suas ânsias e interrogações mais remotas, aquela inquietação e sentimento de solitude que carrega em si como um estigma…



em Viver com os outros, Lisboa: Portugália Editora, 2ª edição, 1965, p. 155.

Sem comentários: