António Franco Alexandre


estas ligeiras coisas me acontecem: o copo azul, o azul, as
tartarugas luminosas; e ainda assim a ausência
dos navios se agita nas gavetas.
os imensos telefones, que dizem em ruínas; os fios
descoloridos, que amanhã virão romper os tesoureiros;
tudo são razões que nos iluminam, debruçados
na amurada grosseiramente pintada, com um copo
azul na mão ainda hesitante.
às vezes grandes buracos de celofane verde
os rodeiam desde a mais breve madrugada; e então
seguramos com violência os lenços incendiados
com que nos acenam ilusões, grandes chapéus
redondos, e o apto das horas.
vivo na prega desta ligeiras mágoas, como a fita
plástica ao canto dos olhos, ao anoitecer.
estou-me esquecendo do que digo. este copo,
poderei largá-lo na superfície branca do ar,
para que as nuvens o sustentem. duvido
sejam estas as razões que me pediu.
não que nos seja indiferente o seu destino,
o horário dos seus sinos, o decibel exacto
da sua impertinência. não posso agora
explicar-lhe o que sentimos, a aspereza
húmida da pele, quando o amarrotamos no punho das aves.
em breve desistiremos destes canais desertos, desta
leve gaveta, e as coisas irão sendo reais,
devagar vacilando por detrás dos lençóis.
assim me aconteceu, mas este copo azul,
que o quebrou na amurada? e os
sinais de néon, alguma vez
os saberemos iludir?
esses suas palavras invadem a minha
lenta respiração. um dia acordarei
com a cabeça no meio das pedras, e as mãos
inteiramente inúteis. de que nos vale
saber que o fiz feliz?


de "Os Obejctos Principais" (1979), em Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim, 1996, pp. 107-108.

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