Um poema de Andrei Voznessenski


Paragem

Assenta as tuas mãos sobre os meus ombros
e conduz-me.
Só os lábios respiram dentro de mim.
Só o mar murmura sobre as nossas costas.

As nossas costas parecem meias-luas
fechadas sobre nós neste momento.
Ouvimo-nos, apoiados um no outro.
Os dois somos aqui vida dupla.

No ar aberto, protegemos com as costas
o que roubámos ao mundo,
como se protege o fogo com as mãos,
ausentes, indiferentes,
à comédia.

Se é verdade que há uma alma em cada célula,
então abre-te a mim
porque sinto enleadas nos meus poros
as almas que ainda agora te roubei.

E tudo é a evidência do mistério.
Será mesmo possível que algum silvo
nos solte como estátuas mudas
como conchas que não sabem gritar?

Por ora, pesa sobre os nossos ombros,
o fardo da desordem.
Assim estamos unidos.

Assim dormimos.


em Antimundos, versão de Armando da Silva Carvalho feita sobre tradução directa do russo de Clara Schwarz da Silva, Lisboa: Publicações Dom Quixote, Cadernos de Poesia, nº12, 1970, pp. 27-28.