Thomas Bernhard


A gente tem também de lidar com pessoas que só podem ser tratadas a tiro, e na maior parte do tempo vê-se afinal em situações a que se pode aplicar o dito «burro que tem fome cardos come». É essa a maior parte das situações: que a pessoa vai afinal almoçar ou jantar com aqueles que verdadeiramente não suporta e considera estúpidos e diante deles tem de fingir alguma coisa. Por outro lado, não se pode estar sozinho, verdadeiramente não se pode. Pode-se fazê-lo durante longos períodos, eu nisso estou muito exercitado, mas a certa altura tem de voltar a acontecer qualquer coisa, e eu penso então que estou naturalmente sozinho períodos mais longos do que inversamente.
Às vezes não nos incomodam absolutamente nada as coisas mais incríveis, depois há ninharias que mexem connosco, é assim, e isto é sabido. A pessoa é fraca, está simplesmente presa por um fio. Uma pessoa que é instável e influenciada pelo tempo e tem dores nas cruzes e não sabe se a bexiga aguenta ou não aguenta, porque é que não há-de estar também dependente de todas essas coisas? Está à mercê de tudo isso. E, quando dorme, dorme mal e é vaidosa e infame e brutal e branda e sensível e tudo, aí você pode enumerar o que quiser, encontra isso em mim.
Tive com mulheres e com homens toda a espécie de relações que se possam imaginar. O que é que lhe hei-de dizer? Que cada pessoa é inteiramente diferente e que você, com o método com que defronta uma, fracassa com a outra? Tem, pois, de encontrar outro. E, se procurar, não o encontra. Ou o tem ou não, não há qualquer possibilidade de fazer simplesmente aparecer um a uma voz de comando. Sentimo-nos puxados para qualquer lado. E nesse caso ou se é atraído ou não, e assim por diante. Quer seja mulher ou homem, em última análise também isso é indiferente. Seria muito mais benéfico se mais homens o fizessem, provavelmente não haveria o superpovoamento que há assim.


em Em conversa com Thomas Bernhard, tradução de José A. Palma Caetano, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, pp. 68-69.

1 comentário:

Patrícia disse...

Adorei o texto, adorei.
Não conhecia.