Um poema de Arthur Rimbaud


A Minha Boémia

(devaneio)

Ia por aí fora com os punhos nos meus bolsos rotos:
O meu casaco havia-se tornado igualmente virtual:
Ia ao deus-dará, Musa!, e seria teu fiel leal;
Oh! lá lá!, com que amores esplêndidos terei sonhado!

Nas minhas calças, era visível um enorme buraco.
— Polegarzinho sonhador, no meu périplo recitava
Rimas. Sito o meu poiso, na Ursa Maior. — No céu,
As minhas estrelas tinham um doce sussurrar de seda.

E ficava-me a ouvi-las, à beira da estrada,
Nas belas noites de Setembro em que eu sentia
Gotas de orvalho sobre a testa, como um elixir de vida;

Onde, rimando no meio das sombras fantásticas,
Eu, dos méis sapatos feridos esticava os elásticos
Como liras —, com um pé perto do meu coração.

em O Rapaz Raro – iluminações e poemas, tradução de Maria Gabriela Llansol, Lisboa: Relógio D’Água, 1998, p.181.