A Parte pelo Todo – João Luís Barreto Guimarães



A Morte sempre foi um dos temas mais recorrentes em literatura. Na poesia portuguesa mais recente ele é recorrente. João Luís Barreto Guimarães (1967) não consegui escapar-lhe. Se em Luz Última (Cotovia, 2006) o tema povoou grande parte dos poemas, em A Parte pelo Todo (Quasi, 2009) o tema encontra-se em quase todos os poemas – de uma ou outra maneira, mas sempre associado à ideia de perda. Assim, entende-se o verso de Emily Dickson que abre o livro: «First – Chill – then Stupor – then the letting go». E é este o verso que dita a divisão do livro: três partes com nove poemas cada, dando a ideia de que a Morte está sempre presente, qualquer que seja a distância a que estamos do acontecimento (neste caso a morte do Pai). Mas como escrever sobre a Morte sem cair nos costumeiros clichés, lugares-comuns? Se tivermos em conta que a Morte é, por excelência, o supremo lugar-comum, a tarefa torna-se mais fácil e genuína. Contudo, isso não significa facilidade em falar na/sobre a Morte; não significa uma poesia não-rebuscada.

João Luís Barreto Guimarães está consciente desta questão. E tenta contorná-la. Um bom exemplo disso é o poema Introdução ao Niilismo, onde a Morte coabita com a ironia (ou será cinismo?): «A noite passada enviei um SMS ao meu Pai/mas ele não respondeu./Já kontava kom issu.» (p.19). É claro que o resultado nem sempre é o mais conseguido. No mesmo poema, uns versos mais à frente, o autor remata: «Já tenho ligado para Deus/parece dar sempre ocupado.» (p.19). Tal como de Deus, da Morte, esse segredo que se leva para a sepultura (Wislawa Szymbroska), nunca se obtém resposta, nada dela advém: «Um dia/depois de tombar plantámo-lo/num metro de terra talhado à terra dura/da terra onde nasceu./Ainda não cresceu nada.» (p.25). Novamente, é a ironia/cinismo que tenta salvar o poema.

Todavia, o tema mais presente, na poesia de João Luís Barreto Guimarães, não é a Morte: é o quotidiano: o quotidiano real e não transfigurado (é claro que este afirmação é arriscada), isto é, o dia-a-dia mais comum possível: «Quando Barbara entrou na Pequena Cirurgia/para resolver a lesão da hemiface esquerda/ninguém contava que eu lhe pedisse para dizer/Wislawa Szymborska. Era/uma mancha disforme de/tantos por tantos centímetros/cuja exérese resultou/(graças a Deus?)/completa.» (p.27). É claro que a validade poética – se é que tal coisa é ainda possível nos dias de hoje – pode ser aqui, como noutros poemas, questionada. Mas não é isso que a poesia deve fazer? Questionar? Colocar o homem frente a frente consigo mesmo? Haverá algo mais incerto e inquietante que o quotidiano? Haverá maneira mais simples ou bela de dizer, jogando com as palavras, aquilo que é evidente : «Na armadilha do tempo/ninguém tomba por engano:/não se expurga a pele por décadas quanto muito/dano a /dano.» (p.42).

Não sendo o livro mais conseguido de João Luís Barreto Guimarães, A Parte pelo Todo vale pelo confronto do Homem com o irrecuperável, pela denuncia (que nunca é suficiente) do absurdo que é a Morte, pela validade da poética do quotidiano.


João Luís Barreto Guimarães, A Parte pelo Todo, V.N. Famalicão: Quasi, 2009, pp. 43.

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