Um poema de Luís Miguel Nava


Sem outro intuito
Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

em Poesia Completa: 1979-1994, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2002.

1 comentário:

Gato Aurélio disse...

Atei uma ligadura ao mundo.
Seguindo uma estratégia diferente, há quem o aparafuse, ajoelhando-se na terra, ou abra nele um olho, uma pupila.
Por cima dele o céu é elástico.
Elástico, adesivo, eis dois dos atributos que, ao dar por acabado o livro de que este texto pode, entre outros, ser a introdução, mais me fascinam.A própria alma é elástica: podemos, assentando um dedo sobre a sua superfície e pressionando-a, levá-la a tocar nas coisas mais inesperadas.
O real é um vidro pintado sob o sol berrante, as coisas prendem-se-me ao espírito. Do mar, para não dar senão um exemplo, fiz a minha máscara integral.

Luís Miguel Nava em Poesia Completa: 1979-1994, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2002