Um poema de Fernando Guerreiro


Crítica do sentimento

Não há juízo poético, apenas algumas luzes perdidas
pela planície onde os corvos vêm escurecer os vícios.
Não deixarei contudo que o pensamento estrague a paisagem
ou que as palavars atapetem, de rosas, o precipício.
Em poesia, não há verdadeiramente sentimentos,
apenas combóios que passam e que com a sua lentidão
interrompem o discurso. No côncavo da vaga, ecoando
no seu centro, o oceano substitui-se à palavra
que rasura o destino. Porque não há leis
para a paixão e quem a experimenta, aprende
quão anónimo é o seu sentido. Por isso,
o sentimento, na poesia, não é um recorte
na paisagem, nem com a Natureza se confunde.
Mais interiormente, tem que ver com a forma
como as garças se perdem no horizonte,
alucinando com os seus gritos o voo do Futuro.


em Teoria da Literatura, Lisboa: Black Son Editores, 1997.

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