A Cabeça de Fernando Pessoa - Luís Filipe Cristóvão


Quando se discutia a nova poesia portuguesa nas páginas de um jornal diário, ficamos a saber o que todos nós já sabíamos: a nova poesia portuguesa, pelos vistos, é feita, de alguns anos para cá, dos mesmos nomes. Luís Filipe Cristóvão (1979) foi um dos nomes que ficou de fora, apesar ter escritos quatro livros, todos eles de poesia, até à data da saída do referido artigo: Registo de Nascimento (2005), Pequena antologia para o corpo (2007), E como ficou chato ser moderno (2007) e Santa Cruz (2008, com fotografias de Ozías Filho).

A Cabeça de Fernando Pessoa (2009) é o seu último livro e revela um poeta comprometido com a poesia, com a literatura, com Portugal e a ideia de Portugal. Dividido em sete partes (Proposição, A Cabeça de Fernando Pessoa, Travessa de André Valente, Rua Kazuo Dan, Oh as meninas, Geração Traída e Diz que a poesia anda na rua), todo o livro é uma provocação. A própria Proposição dá disso indícios, apesar de, supostamente, não ser esse o objectivo: « Nem rimanço / nem mercado / cantiga de amigo explorado / nem vilancete / nem promoção / novas tendências em expansão / uma simples releitura / da nossa história da literatura / vale apenas como proposta / não foi feito para ganhar a aposta.» (p.11).

Seguem-se os poemas que dão nome ao livro, onde o autor entra em diálogo consigo mesmo enquanto entra em diálogo com Portugal, socorrendo-se da ajuda de Alexandre O’Neill: « Portugal, questão que trago comigo mesmo. / Leio o poeta e aceno com a cabeça. / Mas devagar, para não bater nas paredes.» (p.12). É claro que o diálogo com o país que viu Luís Filipe Cristóvão nascer não é fácil. O país parece que não quer nada com o poeta, apesar da insistência deste e da ajuda das novas tecnologias: « Podíamos combinar um encontro / por telemóvel, / eu e o meu país refeito dos sustos / de tantos séculos. // Mas ele não atende.» (p.15). O facto de o país não atender à chamada do autor leva este a sentir-se desiludido e cansado com o seu país: « Cansado de todo este amor mal correspondido»(p.18). E Portugal volta a ser questão que o poeta traz consigo. Depois das caravelas, do ouro, da pimenta, do fado, o que resta? Luís Filipe Cristóvão deixa o leitor escolher entre: «Sardinhas, bacalhau e bitoque. / Iscas, cozido e douradas. / Futebol o ano inteiro. / Mar com Berlengas ao fundo. / Esta sensação católica de ser.»(p.22).

Contudo, o autor não recusa a sua portugalidade. Os poemas que compõem A Travessa de André Valente são disso prova. São nestes poemas que Luís Filipe Cristóvão tenta explicar-se, compreender-se, para melhor nos compreender a todos nós, e para isso socorre-se da figura de Bocage, que assume como uma espécie de alter-ego: « Este modo de ser / devo-o ao meu pai.» (p.26). Este conjunto de poemas são talvez os mais políticos de todo o livro, onde o autor explora muito bem a figura de Bocage para dizer “as verdades”, tal como o poeta sadino “faz” nas anedotas que dele se contam: « Hoje já não me encontram / nem pachorrento / nem cagando ao vento. // Tenho água canalizada / casa de banho / autoclismos // canetas que saíram nas rifas / papel reciclado. // Só a merda é a mesma / e escrevo-a também sentado.» (p.30).

Rua Kazuo Dan é a seguinte série de poemas. Poemas? Interroga-se o leitor. Mas estão em prosa? Onde estão os versos? Só assim temos poesia! Esta série de poemas não se entenderia se o objectivo do livro não fosse, também, provocar. Eles cortam o ritmo das séries anteriores, e talvez seja esse o seu objectivo. Uma espécie de pausa que o poeta dá ao leitor, para depois este sentir um murro no estômago quando entra na seguinte série de poemas, curiosamente intitulada Oh, as meninas.

Esta é talvez a melhor série de todo o livro, aquela em que o autor deixa as questões válidas que traz consigo próprio e observa a realidade com olhar crítico, irónico: « Oh, as meninas, / as meninas na praia, / a adormecer / sobre calhamaços / de literatura simples, / bons para almofadas» (p.36). Mais à frente o autor explica os seus primeiros versos: «Não fôssemos nós pensar / que a literatura é coisa / para homens com a barba / por fazer.» (p.36). Apesar do nome de Natália Correia ser mencionado, é a imagem de Adília Lopes que mais vezes poderá vir à memória do leitor atento. Aqui, nesta série, é a literatura que está a ser questionada, reflectida: «A literatura / ou caça baleias / ou não faz nada.»(p.37)

Chegamos, assim, à penúltima série de poemas A Geração Traída, onde o autor retoma o tom e os temas das duas primeiras séries. Luís Filipe Cristóvão concentra-se, novamente, na primeira pessoa do singular, que pode muito bem ser uma primeira pessoa do plural: «Os nossos pais eram filhos de gente pobre / que poupou no bife / para pagar a faculdade / e acabaram a levar porrada» (p.40). Novamente, existem nestes poemas uma forte conotação política, e facilmente se entende de que lado da barricada o poeta se situa, principalmente quando lemos o poema que encerra o livro: «Eu sou daqueles / a quem não agrada / o 25 de Novembro, / não gosto / de leite morno, / não me agrada / o meio-termo.»(p.47)

Para quem pensa que a nova poesia portuguesa é um marasmo de spleens e cigarros fumados até ao filtro em tascas mal frequentadas, este livro vem, exactamente, provar o contrário.

Luís Filipe Cristóvão, A Cabeça de Fernando Pessoa, Cascais: Ardósia A.C., Colecção Pasárgada, 2009.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sei (porque srs. como o sr. não se esquecem de mo lembrar constantemente) que não há almoços de borla, que favores com favores se pagam. Mas perante um livro deste calibre alguma contenção só lhe ficava bem. Mas não, o sr. prefere adoptar a gósmica postura do "em Portugal só há dois gajos bons: um é o meu amigo, o outro o meu amigo diz quem é." Shame on you.