Da poesia (8)


A sacralização da poesia, por parte de alguns pensadores, é a principal responsável pelo afastamento dos leitores. Dessacralizar a poesia é fundamental. Dessacralizar o poeta também. O poeta não é um super-homem, nem é alguém que comunica com os deuses. Ele é apenas humano. Como ser humano que é incorre em erros. E um desses erros talvez seja dedicar-se à poesia.

7 comentários:

Luisa Oliveira disse...

Há quem goste de se sentir um deus.

Anónimo disse...

Isso do poeta não comunicar com os deuses, não tenho bem a certeza:
"A poet is a nightingale who sits in darkness and sings to cheer its own solitude with sweet sounds; his auditors are as men entranced by the melody of an unseen musician, who feel that they are moved and softened, yet know not whence or why."
Não sou ninguém para discordar do Shelley, de modo que apenas posso assumir que o que ele disse está certo e que o poeta comunica efectivamente com os deuses. :)
Agora a sério: poeta que é poeta sabe coisas sobre nós que nem nós mesmo sabemos. Sabe verbalizar essas coisas. Por isso eu, em princípio, gosto desta ideia do poeta na torre de marfim. O que não quer dizer que o poeta não seja humano e cometa erros. Talvez os cometa como cidadão e indivíduo, mas, como poeta, provavelmente comete poucos. Por isso é que uns escrevem poesia(daquela poesia que "é") e literatura e outros escrevem outras coisas, tipo declarações de IRS e isso.
Em resumo, acho que não vale a pena dessacralizar o poeta, ele não merece.

manuel a. domingos disse...

luísa: completamente de acordo.

rita: desta vez estamos em campos opostos.

A visão de Shelley é, sem dúvida, romântica.

A visão do poeta macambúzio, isolado na sua torre de marfim é uma ideia que a mim, pessoalmente, me arrepia a espinha, pois concordo que «o tempo em que a solidão designava as almas poéticas e de excepção passou» (Lipovetsky). E não sei se esse tempo realmente existiu, pois tanto Shelley como alguns dos seus contemporâneos (lembro-me de Byron e Keats) fartaram-se de viajar por essa Europa.

E não concordo quando dizes que o poeta sabe coisas que nem nós sabemos. Isso é dar demasiada importância ao poeta. O poeta é simplesmente humano, nada mais.

hmbf disse...

Olá Manuel. Há aqui algo que não bate certo. Quando a poesia era, de facto, sacralizada, tinha leitores. Nunca teve muitos, é certo. À excepção de alguns fenómenos de popularidade facilmente localizáveis, a poesia foi sempre um género com poucos leitores mas com imensos praticantes. Acontece que há muito ela deixou de ser sacralizada. Não sei se há mais ou menos leitores de poesia agora, sei apenas que se publica muito mais, é muito mais fácil publicar poesia e divulgá-la. Há imensos blogs de poesia, há ainda alguns poetas que vendem muitos livros, outros publicam muitos livros, há fenómenos de popularidade mais ou menos compreensíveis, a poesia anda na boca do povo, não será a poesia de salão nem a de cátedra nem a de culto, mas é poesia, chamem-lhe popular ou naif, é poesia… Mais do que dessacralizar isto ou aquilo, o que me parece importante é… viver poeticamente. Viver em paz com os deuses ou no inferno com os homens, mas viver poeticamente.

manuel a. domingos disse...

Boas Henrique!

Quando a poesia era sacralizada tinha leitores, mas, vendo bem a coisa, também não havia mais nada. A poesia era o único género literário considerado válido. Durante algum tempo tudo tinha que ser escrito em verso, pois se tal não acontecesse o escritor não vingava. Não nos podemos esquecer que o romance só surgiu muito mais tarde e rapidamente ultrapassou a poesia. A poesia continuou sagrada e continuou a ser sacralizada e ainda penso que é.

Sim, é um facto que há imensos blogs de poesia, que é muito fácil publicar poesia (apesar de não vender tanto como a prosa), que há autores de poesia que vendem muito. Isso poderá demonstrar que há, de facto, uma dessacralização da poesia, que afinal até há leitores de poesia. No entanto, isso também poderá demonstrar o oposto: que a poesia é sacralizada, que o poeta é sacralizado. Toda a gente quer ser poeta ou dar-se com poetas, dizer que conhece este ou aquele poeta pessoalmente. É um facto que a poesia anda na boca do mundo. Sempre andou. E sempre foi considerada como redentora, salvadora, sagrada.

Concordo contigo: o importante é viver poeticamente… e o resto é conversa.

Abraço

A. Pedro Ribeiro disse...

a poesia e a religião vêm da mesma origem: da magia. Um grande poeta é também um mago.

QC disse...

Anda por aí muita gente horrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrível a fazer passar-se por poeta ... tira lá outras conclusões ...