A primeira obra de um autor é quase sempre olhada com a desconfiança própria de uma primeira obra, principalmente se ela é publicada numa pequena editora e está dependente da carolice de amigos e conhecidos para ser divulgada. O mesmo já não acontece quando ela é publicada numa editora de renome (como se costuma dizer), apesar de depender, à mesma, da carolice de amigos e conhecidos para ser divulgada. Mas ela também é olhada com desconfiança pelo autor que, mais tarde, depois de fama e proveitos alcançados, renunciará esses versos da juventude, esses versos iniciáticos, que em nada envergonham o autor, mas que fica sempre bem recusar. Na primeira obra de um autor está sempre presente a vontade de encontrar uma voz e de afirmar essa mesma voz. A voz do autor chega a ser a pior inimiga do autor. Explico: numa primeira obra é impossível encontrar a voz do autor. O que encontramos são vozes que o autor adoptou como sua própria voz. Duvido até que seja possível um autor encontrar a sua própria voz. Assim, dizer que neste livro de estreia de Pedro Afonso existe uma voz única seria ir contra aquilo que disse anteriormente. Contudo, dizer que ela não existe, também. Em vez de voz falemos de indícios, de pistas, que nos ajudarão a melhor entender o percurso poético que Pedro Afonso decidiu trilhar neste seu primeiro trabalho.
Podemos dizer que estamos na presença de uma poesia que não nega a realidade, mas que também não se submete a ela, pois, afinal, o que é a realidade? Uma poesia que parte de dentro para fora e não o contrário: «a espera é uma esquina/aflita sempre em fuga/e o homem/um gesto incapaz/sem sombra/que procura um chão» (p. 17). Mas podemos falar de expressionismo?
Se considerarmos que o expressionismo se caracteriza pela subjectividade do autor, pelo uso de metáforas e imagens desconcertantes, onde o estilo é simbólico, abstracto, sem dúvida estamos na presença de uma poesia de carácter expressionista, pois é nítida a manifestação externa de uma necessidade interna: «só acredito nestes amanheceres/prateados em que me diluis/com a tua boca/e uma voz escorre morna ao acordar/são ficções de pólen/que se soltam/por entre as pedras frias/dos chãos dos dias» (p. 23) Contudo, até que ponto essa necessidade interna não foi fruto do exterior, de tudo aquilo que rodeia o autor. O autor (e agora refiro-me ao autor no sentido lato), e ao contrário daquilo que muitos pensam, está sujeito aos elementos. E Pedro Afonso está sujeito aos elementos. Água, terra, fogo e água estão bem presentes na sua poesia: «já só a sombra daquele fogo/na distância que se adensa» (p.9), «ela nunca mostra a carne/cobre-se de uma agilidade de vento» (p.11), «um pão que arde na noite» (p. 24), «o ritual principia/os gestos surgem nas paredes/o fogo é um pulmão/crescente que nos viaja» (p. 26), para não referir outros tantos exemplos.
No entanto, há na poesia de Pedro Afonso uma linguagem, por vezes, abusivamente metafórica e adjectivada, que pode cansar alguns leitores, como também a opção de não deixar respirar alguns versos, o que, muitas vezes, dificulta a leitura: «boca ardente à terra seca/os lanhos grossos da árvore mãe/boca rasgada de gritar espesso/aos joelhos gastos de magros festins e rijos ossos/os bichos as águas podres e alimentícias/os sons surdos que vibras no estômago ácido que nos guia/sempre as paredes aconchegando-nos ao desespero/raspar raspar as costas onde as raízes/o brilho mineral que nem chorar/cristaliza lamina os olhos ao desespero» (p.63).
Podemos dizer que estamos na presença de uma poesia que não nega a realidade, mas que também não se submete a ela, pois, afinal, o que é a realidade? Uma poesia que parte de dentro para fora e não o contrário: «a espera é uma esquina/aflita sempre em fuga/e o homem/um gesto incapaz/sem sombra/que procura um chão» (p. 17). Mas podemos falar de expressionismo?
Se considerarmos que o expressionismo se caracteriza pela subjectividade do autor, pelo uso de metáforas e imagens desconcertantes, onde o estilo é simbólico, abstracto, sem dúvida estamos na presença de uma poesia de carácter expressionista, pois é nítida a manifestação externa de uma necessidade interna: «só acredito nestes amanheceres/prateados em que me diluis/com a tua boca/e uma voz escorre morna ao acordar/são ficções de pólen/que se soltam/por entre as pedras frias/dos chãos dos dias» (p. 23) Contudo, até que ponto essa necessidade interna não foi fruto do exterior, de tudo aquilo que rodeia o autor. O autor (e agora refiro-me ao autor no sentido lato), e ao contrário daquilo que muitos pensam, está sujeito aos elementos. E Pedro Afonso está sujeito aos elementos. Água, terra, fogo e água estão bem presentes na sua poesia: «já só a sombra daquele fogo/na distância que se adensa» (p.9), «ela nunca mostra a carne/cobre-se de uma agilidade de vento» (p.11), «um pão que arde na noite» (p. 24), «o ritual principia/os gestos surgem nas paredes/o fogo é um pulmão/crescente que nos viaja» (p. 26), para não referir outros tantos exemplos.
No entanto, há na poesia de Pedro Afonso uma linguagem, por vezes, abusivamente metafórica e adjectivada, que pode cansar alguns leitores, como também a opção de não deixar respirar alguns versos, o que, muitas vezes, dificulta a leitura: «boca ardente à terra seca/os lanhos grossos da árvore mãe/boca rasgada de gritar espesso/aos joelhos gastos de magros festins e rijos ossos/os bichos as águas podres e alimentícias/os sons surdos que vibras no estômago ácido que nos guia/sempre as paredes aconchegando-nos ao desespero/raspar raspar as costas onde as raízes/o brilho mineral que nem chorar/cristaliza lamina os olhos ao desespero» (p.63).
Pedro Afonso
, ainda aqui este lugar, Tavira: 4Águas, 1ª edição, 2008, 74 pp.
9 comentários:
nao podia estar mais de acordo. uma primeira obra tem sempre defeitos. confesso que nao conheço o livro, mas pelos excertos que vi realmente parece ter adjectivos a mais como tu e bem apontas, o que causa confusao, principalmente se esses adjectivos nao sao palavras correntes.
o autor ainda é jovem, uma primeira obra é sempre algo "teenager"; um dia poderá ser um autor a ter em conta. basta ter paciencia, humildade, saber esperar, ler muito dos bons - ruy belo, carlos drummond de andrade, jorge reis-sá, manuel a.domingos, etc - e não publicar só porque fica bem.
Jorge Reis-Sá? Como vamos de leituras, P.R. Duarte?
p.r. duarte:
manuel a. domingos? tal como nd perguntou eu também pergunto: como vamos de leituras, p.r. duarte?
creio que a grande quantidade de adjectivos, por si só, não é um defeito. tudo depende da escolha que for feita, da utilização que lhes for dada, etc.
mas, sim, talvez deva existir um equílibrio.
que há contra jorge reis-sá e manuel a.domingos?
nao sao dois bons jovens escritores portugueses?
tambem há mais, como o j.l.peixoto, por exemplo.
escolhi dois jovens para dizer precisamente que a idade nao é tudo.
um valente abraço!
prefiro o tiago memé
caro p.r. duarte:
volto a perguntar: manuel a. domingos?
todos os autores sao bons, até o manuel a. manteigas.
o que há é uma grande falta de álcool:P
mas agora a serio: referi o manuel so pq é dono deste blogue. um grande é autor é mesmo o reis-sá.
bai
não será tiago néné?!
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