
Podemos dizer que estamos na presença de uma poesia que não nega a realidade, mas que também não se submete a ela, pois, afinal, o que é a realidade? Uma poesia que parte de dentro para fora e não o contrário: «a espera é uma esquina/aflita sempre em fuga/e o homem/um gesto incapaz/sem sombra/que procura um chão» (p. 17). Mas podemos falar de expressionismo?
Se considerarmos que o expressionismo se caracteriza pela subjectividade do autor, pelo uso de metáforas e imagens desconcertantes, onde o estilo é simbólico, abstracto, sem dúvida estamos na presença de uma poesia de carácter expressionista, pois é nítida a manifestação externa de uma necessidade interna: «só acredito nestes amanheceres/prateados em que me diluis/com a tua boca/e uma voz escorre morna ao acordar/são ficções de pólen/que se soltam/por entre as pedras frias/dos chãos dos dias» (p. 23) Contudo, até que ponto essa necessidade interna não foi fruto do exterior, de tudo aquilo que rodeia o autor. O autor (e agora refiro-me ao autor no sentido lato), e ao contrário daquilo que muitos pensam, está sujeito aos elementos. E Pedro Afonso está sujeito aos elementos. Água, terra, fogo e água estão bem presentes na sua poesia: «já só a sombra daquele fogo/na distância que se adensa» (p.9), «ela nunca mostra a carne/cobre-se de uma agilidade de vento» (p.11), «um pão que arde na noite» (p. 24), «o ritual principia/os gestos surgem nas paredes/o fogo é um pulmão/crescente que nos viaja» (p. 26), para não referir outros tantos exemplos.
No entanto, há na poesia de Pedro Afonso uma linguagem, por vezes, abusivamente metafórica e adjectivada, que pode cansar alguns leitores, como também a opção de não deixar respirar alguns versos, o que, muitas vezes, dificulta a leitura: «boca ardente à terra seca/os lanhos grossos da árvore mãe/boca rasgada de gritar espesso/aos joelhos gastos de magros festins e rijos ossos/os bichos as águas podres e alimentícias/os sons surdos que vibras no estômago ácido que nos guia/sempre as paredes aconchegando-nos ao desespero/raspar raspar as costas onde as raízes/o brilho mineral que nem chorar/cristaliza lamina os olhos ao desespero» (p.63).
Pedro Afonso
, ainda aqui este lugar, Tavira: 4Águas, 1ª edição, 2008, 74 pp.
9 comentários:
nao podia estar mais de acordo. uma primeira obra tem sempre defeitos. confesso que nao conheço o livro, mas pelos excertos que vi realmente parece ter adjectivos a mais como tu e bem apontas, o que causa confusao, principalmente se esses adjectivos nao sao palavras correntes.
o autor ainda é jovem, uma primeira obra é sempre algo "teenager"; um dia poderá ser um autor a ter em conta. basta ter paciencia, humildade, saber esperar, ler muito dos bons - ruy belo, carlos drummond de andrade, jorge reis-sá, manuel a.domingos, etc - e não publicar só porque fica bem.
Jorge Reis-Sá? Como vamos de leituras, P.R. Duarte?
p.r. duarte:
manuel a. domingos? tal como nd perguntou eu também pergunto: como vamos de leituras, p.r. duarte?
creio que a grande quantidade de adjectivos, por si só, não é um defeito. tudo depende da escolha que for feita, da utilização que lhes for dada, etc.
mas, sim, talvez deva existir um equílibrio.
que há contra jorge reis-sá e manuel a.domingos?
nao sao dois bons jovens escritores portugueses?
tambem há mais, como o j.l.peixoto, por exemplo.
escolhi dois jovens para dizer precisamente que a idade nao é tudo.
um valente abraço!
prefiro o tiago memé
caro p.r. duarte:
volto a perguntar: manuel a. domingos?
todos os autores sao bons, até o manuel a. manteigas.
o que há é uma grande falta de álcool:P
mas agora a serio: referi o manuel so pq é dono deste blogue. um grande é autor é mesmo o reis-sá.
bai
não será tiago néné?!
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