Se aceitarmos o pressuposto de que vivemos numa época de dúvida, aceitamos que toda a verdade é hipotética e provisória. Daí chegamos à poesia. Não quero com isto dizer que a poesia é a verdade, nem tão pouco que é hipotética e provisória. A poesia é. As poéticas – essas sim – são hipotéticas e, sobretudo, provisórias. Não nos podemos esquecer que «uma coisa é a poesia, e outra coisa são as formas que ela adquire em cada cultura ou época» (Antonio Cicero). Podemos perguntar: que forma para a poesia hoje? que poética? Responder a estas duas questões implica, em primeiro lugar, definir poesia. Contudo, não podemos colocar de lado o risco que é tentar definir algo que, porventura, não é susceptível de ser definido, explicado, reduzido a compêndios. Tentar definir poesia será um esforço inútil, pois muito dificilmente será encontrada uma definição geradora de consenso. É claro que eu tenho uma definição de poesia, mas é a minha definição de poesia. Ela é susceptível de conter todas as contradições e fragilidades inerentes a uma definição não geradora de consenso (se é que existem definições geradoras de consenso). Assim, qualquer tentativa para estabelecer uma poética é, também, inútil.
5 comentários:
As poéticas, a meu ver, servem para pensar e para conferir pelo próprio o exercício da sua poesia, e não são inúteis, pelo menos para ele mesmo e para quem o aborda.
A nível colectivo, deixam de ser poéticas para serem manifestos programáticos, coisa de seriedade pouco provável num tempo como este, que não gosta nada nem suscita revoluções estéticas ou outras, muito pelo contrário.
caro nd:
não acredito que existam várias poesias, isto é, uma poesia que eu diga que é a minha poesia. só existe poesia. nada mais.
no entanto, posso dizer que esta ou aquela é a minha forma para a poesia.
não faço distinção entre poéticas e manifestos programáticos.
Digamos que existe poesia praticada por aqueles que a criam ou criaram, e quando escrevo "da sua poesia" estou a atribuir a relatividade da poesia ao próprio. Ora este, individualmente, tem toda a liberdade de considerar ou de sentir a poesia como algo absoluto, como tem a mesma liberdade de dizer aos outros que a poesia é absoluta (abosoluta como Deus, por exemplo). Do mesmo modo há gente, na qual me incluo, para quem tudo é relativo, nomeadamente a poesia, que é humana e não existe por si só. Relaciona-se com seres reais, vivos ou não, e é diversa, não apenas formalmente, mas no grau de beleza e significado, passando pelo "tom" pessoal, por exemplo, de Ricardo Reis e Yeats, tão diversos. E o tom advém do modo de, poeticamente, estarem ou terem estado no mundo.
Quanto a poética e manifesto é só uma questão semântica e de uso. O Manifesto Futurista, o Manifesto Surrealista, etc. Poética, um poema de Manuel Bandeira (e de tantos outros).
Gralha em: (absoluta como Deus, por exemplo).
Faltou-me dizer que a Poesia é um dos ramos da Arte, um sub-ramo, se quisermos, pensando que pertence à Literatura. Mas julgo compreender o que quer dizer, que o cinema, a música, etc. também têm "poesia", esse feeling que as artes nos transmitem, e a que poderá chamar-se percepção da beleza.
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