Mafarrico da guarda


Bukowski é a modos que o meu mafarrico da guarda. Há quem prefira anjos, eu acho os anjos muito suspeitos com aquele glam todo. Na hora da desgraça, sabe-me muito melhor um céptico cáustico, pessimista e muito engraçado. Alguém que encolhe os ombros e me diz: “bebe mas é um copo e esquece essa merda escrevendo um texto engraçado a gozar com isso”. Penso que estou na vida certa para apreciar o exemplo de Bukowski. Ele foi, essencialmente, um fraco tão fraco que se tornou invulnerável. Teve um emprego que o ia deixando louco. Esta situação, como decerto muitos leitores sabem, está longe de ser rara. Tive uma situação profissional e pessoal em que toda a minha criatividade, e portanto todo eu, estava mais manietada que o Hanibal Lecter.Tinha de explodir para qualquer lado. Nessa altura, a perspectiva de viver no pequeno bungalow dos meus pais no Baleal, trabalhando no porto de Peniche com qualquer coisa que envolvesse barcos e escrevendo toda a noite, parecia-me o nirvana. A miséria era o paraíso. Bukowski tem um conto em que alguém, um vagabundo, explica que um homem só precisa de um tecto para ser rei. Uma casa para dormir. Mais nada. E uma máquina de escrever, acrescentaria o próprio Bukowski. Sei que seria uma vida miserável do ponto de vista material, mas seria aparentemente livre. Na verdade, num bungalow no Baleal eu daria em louco por não me acontecer nada de mau ou engraçado a não ser ter fome. E a fome não dá para pensar em mais nada. As necessidades primárias. Eu preciso de as ter todas satisfeitas. A escrita só vem lá em 5º ou 6º lugar, depois da playstation e do Benfica. Eu gosto da cidade e do jogo na cidade. Eu gosto de beber vinho bom, odeio ressacas. Eu gosto de lcd de alta definição. Eu sou o que Bukowski chamaria de besta quadrada, se não me conhecesse pelo blogue, digamos assim. Um insensível. Eu idolatrava a escrita como actividade mais nobre que se podia ter, contra as outras mais pacatas e estúpidas que entretinham o resto da humanidade. Mas depois, e especialmente depois da doença e morte do meu pai, fiquei com a sensação que isso é tudo uma grande palhaçada para enganar a mortalidade, para procurar aprovação e afecto das “massas”, a repetição das ambições de outros, por modelo. Cervantes, Shakespeare, Kafka, Becket, Pessoa etc. e depois queremos ser o Cervantes, Shakespeare, Kafka, Becket, Pessoa etc. Um bom escritor nunca se sente realizado e há-de morrer a meio de uma história, fodido com isso. Bukowski tem escrito “não tentes” na sua lápide. Talvez o seu melhor conselho seja esse. Hoje, e por Bukowski, vejo a escrita como um seguro, caso eu seja mesmo fraco e falhe redondamente em tudo. Bukowski é o meu mafarrico da guarda. Não me vai amparar a queda, até se vai afastar para o lado para não cair em cima dele. Mas sentir-me-ia menos sozinho cá em baixo. Basta-me um tecto e um computador, para escrever, nem que seja um último AH AH AH AH!

1 comentário:

MJLF disse...

Mafarrico da Guarda? Excelente texto! HAHAHA, aqui posso deixar comentários.
:)
Maria João