what some poets and pundits don’t realize is how ridiculous it is
to cling forever to the same subject
matter
Charles Bukowski
Devo ter descoberto Bukowski quando ainda vivia em França, através de uns artigos publicados no Libération. O prosaísmo poético de Bukowski agradou-me porque eu também acreditava desde há muito que, contrariamente ao que pensam algumas pessoas, todos os estados de espírito, todas as realidades, todos os sentimentos, todas as palavras podem ser “poéticos” (Fernando Pessoa já ensinara isso mesmo). As convenções pesam e condicionam-nos, mas valem o que valem e nós podemos combatê-las, adoptá-las, ampliá-las, modificá-las. Agora, que conheço a América, entendo melhor a violência verbal e a agressividade de Bukowski, forçado a viver nesta selva, entre hipócritas, comerciantes e políticos sem escrúpulos. A “luta pela vida” na América pode ser extraordinariamente dura. E a literatura - o uso da linguagem, o estilo, os temas que escolhe - não deixará nunca, embora isso se note muito nuns casos e pouco noutros, embora isso seja muito importante nuns casos e menos ou nada noutros, de pôr em cena os valores, o imaginário, as ambições de determinada classe ou estrato social. As histórias de Bukowski retomam em parte os tópicos e a atitude literária de Henry Miller, o que tem algum interesse. Bukowski é sobretudo um provocador. Deve ter-me parecido saudável, apesar de então ainda não conhecer a América, que a literatura reivindicasse liberdades, valores, comportamentos e uma visão do mundo que se poderiam classificar de “mal educados”. Depois disso não li muito Bukowski, provavelmente por ter assimilado o que havia a assimilar. Mas creio que devo a Bukowski (ou terá sido ao Libération de novo?) a descoberta de John Fante, escritor meio desconhecido, que ele admirava e tomara como modelo. Também pode ter sido ao contrário: descobri Bukowski depois de ter descoberto John Fante. O universo de John Fante e de "Arturo Bandini" (Ask the Dust, etc.) é menos corrosivo do que o de Bukowski, menos cansativo, menos agressivo, provavelmente de uma monotonia mais consentânea com a realidade das nossas existências discretas. Não sei se Luís Pacheco e Lobo Antunes leram Bukowski nem isso tem muita importância. Mas parece-me que foram eles quem na literatura portuguesa actual, pelo seu “descaramento” à margem do politically correct e pelo uso de palavrões, abriu caminhos semelhantes, diminuindo o fosso que separa a atitude literária da realidade que lhe serve de ponto de partida (eu sei, sempre existiu, paralelamente à corrente literária mais respeitável, mais bem educada, uma corrente "popular" de língua mais livre, a poesia galego-portuguesa de escárnio e mal-dizer, e Gil Vicente, são exemplos disso; mas eu falo da actualidade). A evolução dos nossos costumes e comportamentos acelerou-se de tal modo que um leitor actual dificilmente poderá entender o pequenino choque e contentamento que sentiram os primeiros leitores de Luís Pacheco e Lobo Antunes. Provavelmente é impossível não confundir o que se sabe da pessoa que foi Luís Pacheco com a sua obra de escritor. A obra, uma rebelião permanente contra as pessoas e atitudes literárias que gozavam de prestígio institucional, tem méritos indiscutíveis; a pessoa, com o comprazimento nas suas encenações, poderá aparecer a muitos como de pouco ou nenhum interesse. O risco que correm aqueles que ganham notoriedade através da provocação é claro: ninguém gosta de viver em estado de permanente revolução e a revolução permanente, por outro lado, deixa de ser revolução para se tornar um vício cansativo e desadaptado da realidade que entretanto também foi mudando. E há outras revoluções a fazer, mais discretas e mais privadas, mais profundas e mais árduas, aparentemente menos relacionadas com os condicionalismos sociais.
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