Bukovskiano, mas pouco
por António Godinho

O Manuel lançou-me o desafio: escrever umas linhas sobre Bukowski. Pois bem. Juntei a reminiscência de leituras de juventude e a leitura atenta das excelentes versões do poeta maldito que o Manuel postou no seu blogue “O amor é um cão do inferno”. É opinião comum que há muita gente a escrever poesia, mas os verdadeiros poetas contam-se pelos dedos de duas mãos. Bukowski está, com toda a justiça, entre eles. Sem espinhas. Mas essa arrumação tem a ver com o poeta. Não com a sua obra. Não misturo quase nunca a biografia com o mérito artístico, mas tão só com a identidade literária. O universo do autor é o mesmo do protagonista do filme “Contos de Loucura Normal”, de Marco Ferreri (1981): uma deriva alcoólica e sexual, com algumas referências de prestígio e pouco mais. Será essa uma condição poética tão válida como outras menos heterodoxas? Absolutamente. Encerra momentos de altíssima qualidade literária? Com certeza. O problema está na escala reduzida com que celebra a vida. O deboche e o miserabilismo exponenciados pour épater le bourgeois foram recursos largamente usados pelo modernismo, mas que deixaram de fora as verdadeiras questões da modernidade. Habituei-me a desconfiar de roteiros poéticos hedonísticos e a valorizar o trabalho que se faz com o silêncio (Vd. Emily Dickinson), ou cujo desígnio é a verdadeira exaltação da existência (Walt Whitman). Em síntese, reconheço a importância do poeta, mas não faz decididamente parte da minha biblioteca.

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