Bartleby

(1)

Ontem aproveitei para rever Descobrir Forrester de Gus Van Sant. A primeira vez foi no ano da sua estreia. Não me desiludiu quando o vi na altura e não me desiludiu ontem. É claro que não é um grande filme, não fará história, e não conhecendo todo a filmografia de Gus Van Sant (embora me pareça ser um realizador que ora faz o que quer ora faz o que lhe mandam) arrisco a dizer que não será um dos seus melhores filmes (muito na linha de O Bom Rebelde). Descobrir Forrester não deixa de ser interessante para quem se interessa por literatura. A ideia do escritor afastado de tudo e todos (J.D. Salinger, Thomas Pynchon, só para citar dois) não deixa de interrogar e cativar. Muito mais se esse autor só escreveu um livro, que alcança um enorme sucesso, e fica por aí (Juan Rulfo não escreveu só um, mas a sua bibliografia resume-se a três títulos). O filme é isso mesmo: a exploração do Síndrome Bartleby (utilizando as palavras de Vila-Matas). O que leva um escritor a optar pelo não? Ou pelo nunca? O que leva alguém a escrever uma só obra e depois decidir que é suficiente?

(2)

Rimbaud escreveu toda a sua obra entre os 15 e 19 anos. Criou o que mais tarde se designou por poesia moderna, numa altura em que os poetas ainda contavam as sílabas e discutiam regras de métrica. Os surrealistas veneraram-no. Teve uma relação tumultuosa com Verlaine, o que levou este à prisão depois de, num ataque de fúria/ciúmes, lhe ter dado um tiro. Fumou haxixe, bebeu absinto. Escreveu, escreveu, escreveu. E depois, sem explicação, parou. O homem que escreveu Iluminações decidiu antes partir para o corno de África e traficar armas e escravos. O período que aí passou é completamente vazio de qualquer certeza em relação à vida que levava. Restam apenas algumas fotografias gastas de um homem na casa dos trinta anos, envelhecido. O homem que disse que era necessário ser-se absolutamente moderno, abandonou tudo.

(3)

Isidore Ducasse talvez não se enquadre no tipo de escritor bartlebiano. Devido à sua morte prematura, nunca saberemos se estaria disposto a escrever mais do que os seus famosos Cantos de Maldoror. No entanto, pouco se sabe da sua vida. Apenas que passou pela literatura como um relâmpago. E, como um relâmpago, marcou-a.

(4)


«Ser escritor é, hoje, a coisa mais imbecil que pode passar pela cabeça de alguém que ainda não seja um velho.» Manuel Jorge Marmelo, em Teatro Anatómico.

(5)

António Lobo Antunes tentou durante algum tempo pertencer à família Bartleby. Apesar dos livros publicados serem um enorme sucesso de vendas, recusava-se a dar entrevistas e a aparecer nos lançamentos dos seus livros. E autógrafos: nem pensar. Tal também acontecia com Miguel Torga, que longe de ser um bartlebiano genuíno, nunca se deixou cair nas garras das editoras, supervisionando sempre as edições dos seus livros, que eram sempre no papel mais barato que havia no mercado. Entrevistas: poucas deu. Não gostava da comunicação social e a comunicação social não gostava dele. Apesar do enorme aparato que este ano se vereficou para comemorar o centenário do seu nascimento.

(6)

Depois há o escritor anti-bartlebiano. Charles Bukowski poderá ser um bom exemplo. Com mais de 40 livros publicados, este autor foi tudo menos bartlebiano. Nunca se recusou a aparecer em televisão. Ganhava a vida com palestras que dava em Universidades, ou recitais de poesia em bares e outros locais. Nunca se esquivou a entrevistas, documentários, cinema. No entanto, na sua campa pode ser lida a seguinte epigrafe: Don’t try. O que não deixa de ser curioso.

Nota: actualizado às 18h34m.

3 comentários:

Anónimo disse...

Vi logo que este escritor tinha qualquer coisa de Salinger. No wikipedia tem uma pequena lista de semelhanças entre ambos. Infelizmente prefiro qualquer coisa do Salinger a este filme.
Também não vi tudo do Van Sant mas do que vi o que mais gostei permanece o To Die For. E a culpa é da Nicole.

carlos veríssimo disse...

Este "artigo" dava um bom documentário.

manuel a. domingos disse...

luis: nunca vi To Die For

alexandre: sem dúvida

c: obrigado