Quarto Escuro #3


Algumas mulheres habitam os teus textos. Foram mulheres que encontraste ao longo da vida. Mulheres que contigo se cruzaram num determinado espaço e tempo, que não é o espaço e tempo que depois escreves. Com algumas delas chegaste a dormir. Compartilhaste o calor do teu corpo, do corpo delas. Eram mulheres que como tu procuravam alguém com quem compartilhar a sombra, a solidão que povoava a pele. Mulheres que como tu procuravam o sentido das coisas, a verdade para lá de tudo isto. Mulheres de cabelos desgrenhados que desafiavam a noite. Mulheres que nunca mais viste, que ficaram para sempre. Ainda as celebras todos os dias ao acordares, como se permanecessem tuas amantes. Mesmo sem querer é isso que acontece: todo o amante permanece para toda a vida. Tens que aprender a conviveres com eles e com as palavras que foram ditas. Ainda hoje as trazes contigo e muitas vezes as escreves na tentativa de te libertares delas. Tarefa impossível. Nunca ninguém se libertou das palavras que disse ou ouviu. Elas permanecem para sempre, como sombras, sufocando-te. Se possível aprende a viver com elas. Só assim poderás continuar. De outra maneira elas irão consumir-te. Não lhes resistas. Deixa que elas continuem a habitar os teus textos, as tuas lembranças. Parte de ti é feito delas. São o ar que respiras, a respiração. Continua a escrevê-las, a dar-lhes vida, a senti-las como se fossem realmente tuas. Nunca o deixes de fazer. Só assim conseguirás viver em relativa paz.

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