Estrelas

Deitava-se no terraço que também servia de telhado à casa. Não sabia qual a razão que o tinha levado a contar estrelas. Tudo tinha acontecido de um dia para o outro. Primeiro contava só até cem estrelas. Depois com o passar do tempo passou a contar até quinhentas. A melhor maneira (que era a que ele utilizava) de contar estrelas é colocar um pequeno quadrado feito de arame ou madeira por cima da cabeça. Assim podemos contar estrelas à vontade sem repetir aquelas que já foram contadas. Eu explico: o pequeno quadrado de arame ou madeira é colocado por cima do nosso corpo tendo em conta que estamos deitados depois é só contar as estrelas e mudar o pequeno quadrado para outro local onde recomeçamos a contar estrelas. Com esta técnica podemos contar até cinco mil estrelas numa só noite. Contar estrelas era essencial para ele e a noite na aldeia era perfeita. Não havia muita luz. E lá passava as noites a contar estrelas até ao dia em que foi para a cidade. A cidade que tinha muita luz e onde não conseguia contar estrelas. Também não tinha um terraço onde se deitar pois agora vivia num apartamento pequeno que só tinha dois quartos e uma sala pequeníssima e algo parecido com uma cozinha mas a que davam o nome de kit-qualquer-coisa. Também acreditava que a cidade não tinha estrelas pois era feia e só as coisas bonitas como a aldeia é que têm direito a ter estrelas. Visto não poder contar estrelas decidiu começar a contar pessoas. Começava e nunca acabava. Era muito difícil contá-las e não podia utilizar a técnica do pequeno quadrado. Passou a contar carros. Aguentou-se uma semana. O que ele queria era mesmo contar estrelas. Um dia os pais decidiram ir ao parque da cidade. Ele também foi pois já estava farto de fazer todos os dias a mesma coisa: casa-autocarro-escola-escola-autocarro-casa. O parque era um dos poucos locais (se não o único) onde existiam árvores. E não havia barulho. Nem carros. Nem qualquer espécie de candeeiros. Logo não há luz artificial. Não havendo já se podem contar estrelas. Uma noite: em que os pais estavam mais cansados e se tinham deitado mais cedo: ele pegou no seu pequeno quadrado e partiu para o parque. Estava escuro. Não se via ninguém. Procurou o local com menos árvores e deitou-se. Colocou-o por cima da cabeça. Lá estavam elas. Começou. Contou mil em meia-hora. Mais mil. E depois voltou para casa. Feliz.

Manteigas, 2000

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